Fazia exatos dois meses desde que eu abandonei toda a vida que eu havia construído para trás, desde que eu descobri que eu teria que tratar a minha leucemia com quimioterapia, desde que eu tive que aceitar essa doença.
Largar tudo foi muito difícil, confesso que eu ainda sofro com a distancia que eu mesma fiz acontecer, ficar sem Joe e Olívia me doía a cada santo dia, ainda mais da maneira que eu os deixei. Quebrei a promessa que fiz a Olívia em seu aniversário de nunca abandoná-los, mas eu não seria forte o suficiente de vê-los sofrendo junto comigo, por isso preferi me afastar e tentar acompanhar o crescimento deles de longe.
Hoje seria a terceira sessão desde que eu comecei o tratamento, eu tinha pequenos dias de intervalo que eu podia ir para casa, eu tinha uma sessão de quimioterapia a cada 15 dias e ficava internada durante dois dias depois que fazia a sessão que durava uma hora mais ou menos, a cada momento eu ficava mais fraca e mais debilitada, Marissa estava sofrendo por não saber exatamente onde eu estava mais eu não queria que ninguém me visse nesse estado.
Eu me lembro da chuva no telhado naquela manha
E todas as coisas que eu queria dizer
As palavras de raiva
Vieram do nada sem avisar
Roubaram o momento e me mandaram pra longe
E você parado lá na soleira da porta, chorando
E eu imaginando se eu ainda voltaria
Renato era o único que sabia onde estava, ele cuidava de mim de longe, foi ele quem me indicou o meu médico, ele era o melhor no assunto e com ele eu talvez tenha 100% de cura, eu agora havia aprendido a viver a cada segundo como se fosse o último da minha vida, minha casa ficava a poucas quadras do hospital e eu por enquanto conseguia ir andando até lá, isso me acalmava e era bom para mim. Roberto havia indicado que seria bom fazer caminhada quando eu me sentisse bem para isso.
Meus passos agora eram fracos e lentos, meus cabelos não tinham mais vidas eles viviam sem brilho e sem cor, nos meus olhos não continham mais aquele brilho intenso que tinha antes agora eles eram opacos e eu enxergava tudo em preto e branco, minha vida tinha perdido a cor assim como meus cabelos.
Passar por isso sozinha estava cada vez mais difícil, eu estava entrando em depressão, estava tendo pensamentos que nunca tive antes, confesso que já havia tentado me matar umas duas vezes mais parece que Deus não me queria ao seu lado ainda, eu não sei o porque eu tenho que passar por isso tudo, me pergunto todos os dias quando deito a minha cabeça no travesseiro quando tudo isso iria acabar para quem sabe eu viver feliz.
Eu disse que eu não vim aqui para deixar você
Eu não vim aqui para perder
Eu não vim aqui acreditando
Que nunca ficaria longe de você
Eu não vim aqui para descobrir que
Há uma fraqueza em minha fé
Eu fui trazida aqui pelo poder do amor (amor)
Amor pela graça
Havia finalmente conseguido chegar até o hospital e eu já estava sentada na minha inseparável cadeira sentindo os remédios entrando pela minha veia, fechei os olhos e respirei fundo dizendo para mim mesma que tudo isso um dia iria passar e que eu olharia para trás e veria isso tudo como um grande aprendizado.
Olhei para o lado e vi uma linda menininha na mesma situação que eu, ela já não tinha mais seus cabelos e olhar aquilo partiu completamente meu coração, esse tipo de doença não deveria existir para as crianças, elas são simplesmente anjos que vem a terra para nos fazer feliz e ser feliz e não para sofrer, chorei ali no meu canto sozinha vendo o sofrimento que ela passava assim como eu.
Minha rotina desde que me mudei era vir para o hospital nos dias das sessões e ficar em casa trancada. Falava com Marissa todos os dias por telefone as vezes a gente se falava umas duas vezes por dia e ela sempre me contava como estava Joe e Olívia isso era uma maneira de mantê-los vivos dentro de mim.
Eu estava perdida em tantos pensamentos que nem percebi quando a químio tinha acabado, eu não conseguia me levantar sozinha, eu estava mais fraca do que nos outros dias, a cada sessão que passava os remédios era cada vez mais fortes o que acabava com meu sistema imunológico e com a pouca força que eu tinha.
E eu me lembro de que a estrada só ia sempre pra frente
Só não consegui ver para virar aquele carro
Ate à distância, como um longo tesouro perdido
Uma cabine telefônica que não se podia encontrar
E você permanecia lá na soleira da porta, esperando
Você pode votar ou sugerir uma melhor
E o momento quando nós nos deitamos
Como sempre eu dormi assim que cheguei no quarto, esse era o único momento em que eu conseguia ter paz e parar de pensar na minha vida. Acordei um pouco depois com a enfermeira trocando a minha bolsa de soro.
Tudo me enjoava depois da químioterapia, nem água eu conseguia beber, então a única solução era tomar soro para me manter um pouco mais hidratava, eu vivia cheia de agulhas e esparadrapos pelo braço e mão nos dias em que ficava aqui no hospital, eu nem sabia mais como era ter a pele limpa sem nada disso.
Quando eu finalmente conseguia tirar as marcas que o esparadrapo deixava, já estava na hora de voltar para mais uma interminável sessão. Dessa vez eu já estava um pouco mais forte e finalmente consegui me levantar sozinha da cama. O quarto em que eu estava tinha um banheiro grande que dava para me locomover sozinha e levar o carrinho com o soro junto comigo.
Fui andando devagar até o banheiro, eu precisava me ver, ver em que estado aqueles remédios havia me deixado, eu sempre sofria quando me olhava no espelho mas essa era a única forma que eu achei de mostrar para mim mesma de que eu estava doente.
Eu disse que eu não vim aqui para deixar você
Eu não vim aqui para perder
Eu não vim aqui acreditando
Que nunca ficaria longe de você
Eu não vim aqui para descobrir que
Há uma fraqueza em minha fé
Cheguei no banheiro e comecei a pentear meus cabelos e vi que quando penteava meus cabelos iam caindo, eu comecei a entrar em desespero, olhei para a escova e ela estava repleta de cabelo meu. Eu não estava acreditando que essa hora havia chegado, eu não podia ficar sem meus cabelos.
Entrei em desespero e comecei a passar as mãos pelos cabelos puxando e quanto mais fazia isso mais cabelo vinha em minhas mãos, eu não conseguiria aguentar isso por mais tempo, ouvi meu celular tocando bem baixo no quarto, eu não tinha vontade de atende-lo mas eu sabia que era Marissa e se eu não atendesse ela entraria em desespero.
_Alô_ consegui com muito custo chegar até o quarto, eu tentava secar as lágrimas que não paravam de cair de meus olhos, eu não queria me mostrar fraca para Marissa.
_O que houve Demi, porque está chorando?
_Meus cabelos Marissa, eles estão caindo. Eu não vou aguentar vê-los caindo_ Cai no choro, Marissa era a única pessoa quem eu tinha para me abrir e chorar a hora que eu quisesse.
Eu fui trazida aqui pelo poder do amor
Aquele foi apenas um momento na vida
E um que nunca esqueceremos
_Chegou a hora Demi, você tem que cortar seu cabelo. Por favor me diga onde você está me deixe ficar esse momento do seu lado, eu estou aqui para você em todos os momentos Demi. Por favor não me afaste de você. Joe está enlouquecendo te procurando por tudo quanto é lugar. Por favor não nos prive de te ajudar_ Marissa chorava assim como eu, eu sei o quanto estava doendo para ela me ver nesse estado, mas essa era a única maneira que eu tinha encontrado de não ver as pessoas que eu amo sofrendo junto comigo.
_Não chore Marissa por favor, entenda que esse foi a unica maneira de não ver vocês sofrendo.
_Você não vê que fazendo isso a gente sofre mais? Por favor Demetria me diga onde está
_Eu não posso Marissa, eu tenho que desligar. Adeus
Não fui capaz de deixa-lá se despedir, estava na hora de cortar o cabelo e eu não estava pronta para isso.
Pedi a uma das enfermeiras que trouxessem alguém até meu quarto para que eu pudesse cortar meus cabelos e logo em seguida entrou um dos enfermeiros com todos os equipamentos precisos para isso.
Me sentei em uma cadeira no meio do quarto e ele começou a cortar meus cabelos com a tesoura, ver meus cabelos caindo mais e mais a cada segundo me fazia chorar e muito, logo ele veio com a maquina e começou a passar em minha cabeça, eu fechei meus olhos e me permitir chorar tudo o que eu ainda não havia chorado desde que eu tinha descoberto a leucemia.
Minutos depois o trabalho estava pronta, estava na hora de me olhar no espelho. Passei as mãos na cabeça e não senti nada, estava simplesmente lisa e sem um fio de cabelo, não foi fácil olhar no espelho e me ver daquele jeito careca. Agora definitivamente minha vida havia acabado.
Um que nós podemos deixar para trás
Pois quando houver dúvidas
Você se lembrará do que eu disse
Eu não vim aqui acreditando
Que nunca ficaria longe de você
Eu não vim para descobri que
Há uma fraqueza em minha fe
Eu fui trazida aqui pelo poder do amor
Eu fui trazida aqui pelo poder do amor
Amor pela graça
Amor pela graça
Narrador onisciente
Marissa não poderia ficar mais arrasada após a ligação da melhor amiga, cada vez que ela recebia notícias da piora de Demi ela se sentiam doente, não fisicamente, mas mentalmente, ela mal conseguia focar no ateliê e só mantinha por ser um pedido de sua amiga e era a forma de se sentir mais próxima dela. Talvez ela tenha passado horas ou só minutos sentando olhando para o nada, ainda era cedo para fechar, mas ela tinha de decidir, tinha de fazer algo. Procurou em sua bolsa as chaves do apartamento de Demi, fechou o ateliê e pegou carro indo em direção ao local, lá ela não hesitou em revirar qualquer canto, qualquer indício de seu paradeiro, pois perguntar a Demi não adiantava, muito menos a Renato que se recusava a dizer mais do que podia por questões profissionais. Questões profissionais uma ova, pensou. Enfim encontrou, depois de uma longa procura, no fundo de uma gaveta uma papelada de aluguel, o endereço levaria algumas horas para chegar, se aquela fosse a nova casa de Demi ela descobriria. Pegou o celular e ligou para alguém que a muito perdeu o contato, na verdade ela tentava e ignorava para não dar informações da amiga, ela era totalmente contra, mas era mais um dos pedidos absurdos de Demi, porém naquela vez ela decidiu ignorar todas os pedidos e desejos para fazer aquilo que acreditava. Discou o número esperou até que alguém atendesse.
_Hola._ o sotaque latino soou, parecia desanimado e ocupado.
_Está ocupado? Preciso falar com você pessoalmente, é urgente._ disse entrando no carro._ Posso ir até sua casa?
_Porque eu deveria te dar atenção agora se você me ignorou nos últimos meses? Mesmo sabendo da minha preocupação._ ele disse, parecia se afastar de pessoas que conversavam.
_Por que se você quer respostas sobre Demi eu te darei, pelo menos o que eu tenho._ Marissa respondeu, mesmo sem uma aprovação ela já se dirigia até a casa de Joe. _Ela não está bem Joe, o estado só se agrava e eu não posso fazer nada daqui, se você não puder me ajudar eu compreendo, mas saiba que seria essencial.
Ele esperou por alguns segundos, por um lado queria seguir em frente, esquecer Demi e a saudade dolorosa que sentia dela, por outro queria ir atrás, ele sofria, assim como Olivia que perguntava frequentemente pela moça, ele ao menos conseguiu uma ligação depois que ela se foi.
_Estarei te esperando, entre pelos fundos, estou colocando Olivia para dormir mesmo assim não quero que ela tenha o risco de se lembrar novamente._ ele disse.
_Em poucos minutos estarei aí._ a loira disse e desligou.
Como feito em poucos minutos ela estava lá, em seu escritório, a início sem saber o que fazer. Joe estava diferente, a barba por fazer, os olhos fundos de quem não tinha boas noites de sono a um bom tempo. A mãe do rapaz estava na casa, Olivia havia ficado doente e as coisas corridas, a presença de Marissa não a agradou, pensar na possibilidade de seu filho se machucar ainda mais por causa de uma moça lhe irritava ao extremo, no entanto por insistência de Joe ela não participou da conversa. Marissa decidiu explicar ao rapaz, lhe contou desde que descobriu a doença da amiga, da esperança que ela tinha de melhorar, do medo que ela sentia de contar por conta da mãe de Olivia, e contou sobre a última ligação mais cedo e o que pretendeu fazer depois.
_Ainda não entendo porque veio até aqui._ ele soou mais grosseiro do que gostaria.
_Eu vim porque eu sei que você ainda gosta dela, sei que você a ama na verdade, e ela também te ama._ Marissa iniciou. _ E sei também que ela é cabeça dura de mais. Pelo visto não só ela. Quero dizer, ela perdeu os cabelos, não consigo imaginar de como ela se sente. Completamente sozinha, ela precisa de amor.
_Foi uma decisão dela partir._ Joe rebateu sem desmentir seus sentimentos._ Eu ofereci tudo o que podia, eu podia ficar ao lado dela, poderíamos passar por isso, mesmo que não fossemos tão sérios...
_Como aconteceu com a sua mulher?_ a pergunta de Marissa foi dura, Joe sentiu uma dor no peito. Ela sabia que havia sido dura, mas precisava naquele momento._ Joe ela partiu porque não queria te ver sofrer, ela não pensou que isso também o machucaria, ela acha que se fechando deixa de preocupar as pessoas, a sua esposa morreu com o mesmo problema, se coloque no lugar dela. Eu sei que você sofreu com a perda da mãe de Olivia, ser pai solteiro é dificílimo, e é doloroso falar sobre isso, mas se você ainda quiser fazer algo relevante é a sua chance. O endereço que tenho não é certo, mas estou disposta a procurar, com ou sem você.
Joe ficou calado, por todas as noites sem dormir por pensar nela, no sofrimento dela, ele não imaginava que seu estado estaria tão avançado, se ela não resistisse ele não se perdoaria, porém, ir atrás e ser ignorado novamente seria ainda mais doloroso.