Maratona 3/5
SUA
ROUPA para a viagem ao Alaska era sensacional. O que era bom, porque precisava
de um pouco daquilo, para enfrentar um longo fim de semana com Joe num quarto
de hotel. Puxou o zíper da jaqueta negra, colocou as mãos nos quadris da calça
preta de couro, sentindo-se realmente durona e maravilhosa. Então esperou que
Joe chegasse para entrarem no avião dele.
Roupas
realmente a faziam se sentir bem. Monocromático tinha sido sempre sua
estratégia. O negro a destacava. Depois de ser atacada, deixara de tentar se
sentir incluída no ambiente e apenas usara jeans largos e casacos cheios de
bolsos.
Não
usava cores. Especialmente rosa. Não depois do vestido de baile. Você está tão
linda doçura. Via a mãe atrás dela, sorrindo. Haviam passado horas procurando o
vestido certo, depois que Michael a convidara para sair com ele. O mesmo vestido
estava rasgado, destruído, no final da noite. E, quando o tirara e o jogara no
chão antes de entrar no chuveiro para lavar o sangue, a dor e a vergonha,
jurara nunca mais usar aquela cor idiota de novo.
No
começo, sua equipe de publicitários e estilistas; haviam tentado vesti-la com
cores mais suaves, mas finalmente todos admitiram que a escolha dela era a
melhor. Dava-lhe polimento, sofisticação. Era uma armadura. Fazia-a se sentir
mais como gostaria de ser. Mais dura, mais no controle. Como se houvesse
dominado aquela menina idiota, que queria tão desesperadamente ser aceita. Por
dentro, sabia que era uma farsa, mas, ei, pelo menos tinha a aparência que
queria, se não a substância.
— Toda pronta para a neve, estou vendo.
Virou-se
e viu Joe andando em sua direção, e como mulher, apreciou a aparência do homem
em jeans negro e uma camisa branca de botões com as mangas enroladas até os
cotovelos, com uma mochila de couro pendurada no ombro.
— E você não está.
— Vou me trocar no avião. Tem mais quartos do que a suíte de hotel que
reservou para nós.
— Ha, ha. Engraçadinho, Jonas.
— É verdade.
— Bem, vou descobrir logo, não vou? — Pegou a mala do chão. — Dê a ordem
ou faça o que tiver que fazer para botar este show na estrada.
Ele
sorriu e tirou um celular do bolso da jaqueta.
— Sabe, há um celular melhor e mais rápido no mercado. O OnePhone.
— Melhor é uma generalização e também subjetivo. E seu celular só é mais
rápido, quando é capaz de se ligar às suas torres especiais, o que acontece
em... Lembre-me Demi, 10 por cento dos casos?
Ela
sorriu.
— Doze. E estamos aumentando.
— Certo, certo. — Apertou um botão do celular e as portas do avião se
abriram, a escada desceu. — Enquanto isto, meu celular continua a ser
funcional. E faz chamadas sem deixá-las cair.
— É super funcional. Aposto que todas as pessoas que têm aviões
particulares, querem seu telefone. Mas as massas querem jogar, o que encontram
no meu celular.
— Um desperdício de tecnologia.
— Não é não. — Subiu a escada e abaixou a cabeça para passar pela porta.
— Agradável. Maior que o meu. — Sentou-se num dos
luxuosos sofás de couro. — Quando estava no ensino médio, todos começamos a
comprar celulares. E eles faziam apenas uma coisa, ligações. As telas eram em
branco e preto, os toques monofônicos. Garotos ricos tinham laptops. Agora um
computador está disponível no celular. Buscas na web, vídeos e jogos.
Acessibilidade. Há preços adequados não só para telefones, mas para toda
tecnologia, para praticamente todo mundo. Informações, diversão. Tudo em sua
mão.
— Vou deixar de lado o sentido duplo do comentário da diversão na mão.
Ela
sorriu.
— Por favor, faça isso.
— Mas entendo seu ponto. Você se vê como uma espécie de revolucionária,
não é?
— Sim. Estamos mudando a paisagem, Joe, mudando a forma como as pessoas interagem
e aprendem. Fazemos uma coisa maravilhosa.
— Estou nisto apenas pelo dinheiro.
— Mesmo? — Estudou sua expressão. — Não acredito. Você tem paixão por
isso.
— Não, Demi, eu não tenho. Sou bom com computadores, compreendo-os com
facilidade, mas como qualquer outra coisa na minha vida, é apenas uma
ferramenta. Tudo o que me importa é o dinheiro. E é por esse motivo que sou sua
ameaça, e não se esqueça disso. Hamlin gosta de poder e espero que um dia, em
breve, ele o tenha cedo demais. Você é uma visionária. Apaixonada e idealista,
e marque o que digo, será sua queda. Tudo o que me importa é seguir em frente.
Não ligo para o certo ou o errado. Só me importa vencer o jogo.
Havia
uma dureza desolada em suas palavras, um cálculo frio. Mas ela não sabia se havia
verdade nelas. Tinha quase certeza de que ele acreditava nelas, mas não sabia
por que ele precisava acreditar.
— O que acontece no fim? Quando acabar tudo e não houver nada mais a
fazer?
— Encontro um novo jogo. — Não havia emoção na voz, nenhum fogo.
— Então prefiro a paixão e o potencial de perder. Acho que é mais
divertido.
— Não tive o luxo de me divertir.
— Você é um bilionário, Joe. Relaxe e desfrute.
Os
motores foram ligados e o avião começou a se mover na pista.
— Uma coisa que se aprende quando se vive nas ruas, cara, é jamais
relaxar. Nunca se sentir confortável. Não abaixar a guarda. Não dormir. Precisa
estar pronto para saltar e lutar por sua vida a qualquer momento. A
complacência pode lhe causar a morte, uma verdade também nos negócios.
A
garganta de Demi fechou.
— E agora. Agora que tem sua mansão com segurança perfeita. Agora você
dorme?
Ele
balançou a cabeça.
— Não.
— Então poderia muito bem estar de volta às ruas.
Ele
riu.
— Luto todos os dias para garantir que jamais voltarei.
— Sua vida parece muito cansativa.
— Essa é a opinião da mulher que tem uma energia infinita?
— Mas sou feliz. É mais fácil viver quando se é feliz.
— Por que se sente feliz?
— Tenho o trabalho dos meus sonhos. Amigos. Família. — Quase tropeçou na
palavra. Raramente falava com os pais. — Por que não seria feliz?
— Então por que a armadura? Se você é feliz, por que se protege tanto?
— Não sei do que está falando.
Ele
se debruçou e passou o polegar e o indicador na gola da jaqueta.
— Sabe muito bem do que estou falando. Disto.
— Seus ternos são armaduras, Joe? Ou é uma coisa que usa para criar uma
imagem?
— Armaduras para que ninguém diga, que me pareço com o garoto de rua que
sou. Para que, não importam os rumores, pareça um homem que conquistou o
sucesso e não um homem que fez seu caminho para o topo dormindo. Por baixo,
porém, não muda nada.
— Muda. Eu me sentiria muito mal comigo mesma, se tivesse que subir num
palco para fazer um lançamento com os cabelos desarrumados, usando aparelhos
nos dentes e vestindo jeans e camisetas largos.
— Mas isso não muda você. Se mudasse, mesmo se usasse camisetas largas,
você se sentiria confiante.
— Um especialista para um homem tão disfuncional.
— Mas tenho razão.
— E daí? Todos fazem isso. Você também, acabou de confessar.
Ele
acenou.
— Suponho que seja verdade. A imagem é tudo. Mas diferente de você, não
finjo que estou bem.
Ela
não gostou de ele pensar que fingia estar bem. Ou que era verdade. Naquele
momento, sentiu-se como aquela menina da escola secundária.
— Bem, quando você abandonar sua imagem, me livro da minha.
— Não a estou desafiando nem julgando. Eu sou a última pessoa a ter o
direito de fazer isso, e nós dois sabemos. Estou apenas declarando um fato.
Você esconde muita coisa, Demi.
Ela continuou a não gostar, que ele soubesse que
sua roupa era uma armadura. E estava certo; a mudança tinha apenas a
profundidade da pele, porque se não fosse, ele não conseguiria abalar tanto sua
autoconfiança.
Idiota.
—Bem,
da próxima vez que precisar de um analista, contratarei um profissional,
certo? Não preciso que um cara com mais
problemas que eu, investigue minha cabeça. — Fez uma pausa. — De qualquer
maneira, o quanto você é feliz?
—
Nunca disse que sou feliz. Nem mesmo sei o que é felicidade. Mas vencer o jogo
é tudo o que conta para mim.
—
Inacreditável.
E
se calou, o que ele também fez até o fim da viagem.
O
hotel ficava à margem de um lago e era cercado por montanhas e árvores altas de
sempre-verde, que o escondiam atrás de uma parede de cores verdes e castanhos.
Joe
olhou em torno, a expressão impassível.
— Não parece entusiasmado. — Demi tirou uma echarpe da mala e a enrolou
no pescoço.
— Não gosto de frio. — Andou em direção à porta do hotel.
Era
uma cabana luxuosa de madeira cor de mel. Ela adorara quando se mudara para a
cidade no Oeste da Califórnia. Adorara o calor e as palmeiras. A imensa
diferença de sua cidade natal. Mas aquilo era completamente diferente.
— Então vamos entrar. — E o seguiu através das portas de vidro que
deslizaram ao se abrirem para o saguão.
— Agradável. — Olhou em torno do interior de
madeira. — Veja só, uma grande estátua de um salmão. É legal. E olhe, está à
venda. Podia comprá-la e pregá-la na minha casa. — Não sabia por que estava
tagarelando. Talvez porque o malvado e estoico Joe a tirasse do equilíbrio.
— Gostaria de ver isso, Demi, um salmão na sua mansão à beira-mar.
— Ei, combina com o tema.
— E também não combina.
Ela
sorriu e tentou fazê-lo sorrir. De certa forma, conseguiu, mas o sorriso era
terrivelmente falso. E não sabia se era resultado da conversa que haviam tido
no avião, quando ele dissera que não sabia o que era a felicidade. Era disso
que tinha medo. Quanto mais passava seu tempo com Joe, mais ele lhe parecia
humano. Fazia-a se importar com ele. Não, isso não. Joe era um idiota. Não
podia, não iria se importar com ele.
— Espere um pouco, vou nos registrar.
Joe
olhou o saguão e esperou que o sofisticado sistema de aquecimento o
esquentasse. Não sabia por que permitia que a temperatura o afetasse. Não era
como se nunca tivesse sentido frio nos últimos anos, mas a verdade é que fazia
o possível para evitá-lo. E desde que saíra do avião, estivera lutando com o
pensamento do que seria ficar preso lá, sem abrigo. Ter que passar a noite
lidando com os elementos.
O
fato de que se mudara para um lugar com um clima temperado, não tinha sido
aleatório. Preferia se sentir aquecido. Não gostava de se lembrar de como era
dormir no cimento gelado, coberto por papelão. Era o mesmo motivo pelo qual não
gostava de sentir fome. O mesmo motivo pelo qual não tinha relacionamentos. Não
gostava de lembranças. De como estava desesperado quando Claudia o encontrara.
Vira-o em pé na rua, pedindo trabalho. E ela oferecera. ”Quer uma cama onde dormir esta noite, querido?”
Ainda
se lembrava das primeiras palavras que lhe dissera. De como era seu perfume. De
como o cheiro permanecera em sua pele depois, assim como a vergonha. Ela lhe
pagara muito dinheiro por sua virgindade. Achara excitante treiná-lo. E lhe
dera o suficiente para uma semana de abrigo e alimento. Uma noite de sexo por
uma semana de conforto. E quando o dinheiro acabara, Claudia o encontrara de
novo.
“Preciso
de você de novo, querido. E quando terminar com você... Tenho amigas, sabe?
Solitárias. Negligenciadas pelos maridos. Vão adorar a oportunidade de brincar
com você. Se disser sim, nunca mais ficará em hotéis baratos. Poderá comprar
sua casa. O que acha? Independência? Calor?”
Impossível
recusar. Mas cada dólar recebido, custara demais.
— Tudo pronto!
Olhou
para Demi. Ela seria quente, não duvidava. Sua pele era macia, já sabia. E
seria quente. Flexionou os dedos, curvou as mãos em punhos, tentando esquecer a
impressão da pele dela na dele. Uma estranha espécie de calor o percorreu.
Apenas o pensamento dela o aquecia, quando um momento antes, estivera
congelando de dentro para fora. Interessante. Mas não uma coisa a que daria
atenção.
Seguiu-a
até o elevador sem dizer nada e deixou que ela apertasse os botões, para
levá-los a um andar mais alto. Um quarto com vista, sem dúvida. As portas se
abriram e ele seguiu Demi pelo corredor, os saltos dela batendo no piso de
madeira. Ela dava passos longos, pesados. Percebera isso nela mais cedo. Tudo
parte de sua armadura. Para parecer durona. Impenetrável.
— É no final do corredor. — E abriu a porta com o cartão quando
chegaram. O quarto era, como ela dissera, todo aberto, com imensas janelas do
piso ao teto que mostravam o lago e as montanhas. Havia um sofá e uma cama
enorme, com quatro colunas de madeira. A maioria dos homens pensaria nas atividades
que poderiam ocorrer numa cama daquele tamanho. E ele também. Faça o que lhe
dizem, garoto. Não está aqui para você. Está aqui para mim. Para meu prazer.
Sou sua dona.
Aquela
era a verdadeira Claudia. Uma mulher que sentia prazer em ser dona dele. Em vendê-lo.
Aquela voz estava sempre no fundo de sua mente, lembrando-o de como era sujo.
Não interessava o quanto tentasse convencer a si mesmo de que nada daquilo
importava, não era verdade. Importava.
Porque
não podia se livrar daquilo. Não havia como fugir do medo de sentir frio, não
interessava há quanto tempo estava aquecido. Não conseguia fugir da sensação de
que seu corpo pertencia à outra pessoa. Não importava há quanto tempo não o
vendia. O fato permanecia, ele se vendera. E de alguma forma, parecia que nunca
mais se recuperara.
— Bonito — disse Demi. — E apenas uma cama.
O rosto dela ficou ruborizado,
ele se perguntou se era apenas constrangimento ou se ela o queria.
Se
o quisesse, o jogo seria mais fácil.
Tão
mais fácil se o que um deles sentisse fosse verdadeiro. E ele saberia usar
aquele desejo. Para torná-la mais quente para ele. Mais brilhante. Afinal, era
treinado para dar a uma mulher exatamente o que ela queria.
Mas
se rebelou contra a ideia. Já havia jogado com ela uma vez, no baile beneficente,
quando usara sua emoção para despertar a excitação, para fazê-la gostar do
beijo, embora o odiasse. Sabia que com os pensamentos certos, era possível
ficar excitado, mesmo quando odiava tudo o que acontecia com seu corpo. Que era
possível encontrar um lugar profundo, onde fosse capaz de controlar tudo com a
mente. Cerrou os dentes.
— Sim, mas ainda quero dormir no sofá, sem discussões.
— Certo.
— A imprensa estará neste casamento?
— Sim, com muita cobertura. Foi por isso que soube que precisávamos
estar juntos. Josh é uma Colter, você sabe, dos Colter que são proprietários da
cadeia de restaurantes; assim, é um grande evento.
— E mesmo assim você pagou pelos quartos de todos? Devem ser
milionários.
— Foi meu presente de casamento.
Olhou
para ela, tentando compreendê-la. Era insegura, sabia. Elogios lhe faziam bem,
porque era ansiosa por aprovação. E no entanto, fazia coisas gentis. Dava sem
motivo e não compreendia aquilo. Ou talvez não fosse tanta gentileza. Talvez
estivesse comprando amigos. Sim, fazia sentido para ele.
— E sua tentativa de comprar amigos.
— Todos fazem coisas gentis para os amigos.
— Eu não.
— Você tem amigos?
— Acho que não.
— Por que não?
— Neste momento da minha vida, sim, acho que os estou comprando. Não sou
uma pessoa de quem os outros gostam com facilidade, caso não tenha percebido.
— Não percebi.
— Vim para o mundo sem nada. Não tenho conexões com o passado que quero
manter.
Ela
suspirou.
— Não estou comprando amigos. Faço isso porque quero e porque posso;
logo, por que não? Mas tenho problemas com namorados.
— Tem?
— Sim Cavadores de ouro. Sou um vale-refeição para todos os homens que
querem sair comigo, e é realmente cansativo. Quando alguém me convida para sair,
a grande pergunta que me faço é se ele me convidaria se eu não tivesse
dinheiro. Se a resposta é não, não dou mais importância.
— E como chega a tal conclusão?
— Homens bonitos não me procuram por causa do meu cérebro.
— Estereotipado.
— Mas verdadeiro. Tive um incidente desagradável no ensino médio.
— Mais dificuldade em seu passado?
O
cinismo na voz dele a fez desistir de partilhar.
— E quanto a você? Não tem amigos, mas vi o tipo de mulheres que leva a
festas.
Sim,
era muito seletivo em relação ao tipo de mulheres que levava a festas. Lindas,
vazias. Comprava seus vestidos, suas joias e as deixava se pendurar em seu
braço até as fotos serem tiradas. No fim da noite, sempre seguiam para lugares
diferentes.
— Não me importo com o que querem, desde que nós dois tenhamos o que
queremos.
Ele
conseguia passar a imagem que queria para a imprensa, elas conseguiam
diamantes, exposição, a excitação de sair com uma celebridade. Qualquer coisa,
desde que não fosse sexo.
— Puxa, você se parece com a maioria dos homens que saem comigo.
— Não, eu não uso. Faço uma troca. E não é melhor tentar adivinhar o que
querem, antes de se aprofundar demais?
— Certo, isso é péssimo. Mas também é horrível descobrir que o cara com
quem saiu para jantar quatro vezes, é um gay num relacionamento estável que
tenta lhe tomar dinheiro. E por falar nisso, o homem no relacionamento não
tinha ideia do que acontecia, ficou muito infeliz ao nos descobrir juntos num
restaurante.
— Pelo menos ele só tirou vantagem do seu dinheiro, não do seu corpo.
— Eu sei. Mas seria bom sair com alguém que não quer usar você. Antes da
Anfalas, todas as pessoas na minha vida deixaram muito claro que havia alguma
coisa muito errada comigo. E agora sou popular porque me visto bem e tenho
dinheiro.
Desviou
o olhar dele para a vista além da janela. E ele sentiu uma coisa estranha no
peito. Como se houvesse um fio invisível que os ligasse e o fizesse sentir o
que ela sentia. Ou talvez fosse apenas o que ela dissera. O desejo de sentir o
que pessoas normais sentiam, apenas por um momento. Geralmente não se
preocupava com aquilo, mas às vezes imaginava. Como seria se seu corpo, coração
e cérebro funcionassem juntos, e não como entidades totalmente separadas. Como
seria se pudesse limpar a sujeira de sua pele e seguir em frente. Limpo. Como
se nada tivesse acontecido. Mas não era possível.
— É assim que o mundo funciona, Demi. Quem tem dinheiro tem poder. Acha
que alguém ligava a mínima para mim, quando eu era um órfão pobre vivendo nas
ruas?
— Tenho certeza de que ninguém, senão você não estaria nas ruas,
estaria?
— Ninguém ligou quando minha mãe morreu, porque ela não tinha nada a dar
a ninguém. Tinha apenas um filho que ninguém queria cuidar. Um menino que caiu
na sarjeta.
— Como você sobreviveu?
— Por algum tempo, com a igreja. Vivi lá alguns anos, frequentei uma
escola dirigida por freiras. Mas depois não houve mais dinheiro para cuidar de
mim e virei um sem-teto de novo.
— Suponho que isso torne patéticas minhas queixas sobre cavadores de
ouro.
Ela
desviou o olhar, a expressão triste. Ele devia cumprimentá-la. Acabara de lhe
fornecer a melhor informação, dissera-lhe que ansiava pelo tipo certo de
atenção masculina. Dava-lhe amplo material para usar contra ela. Uma
oportunidade de formar um laço, que poderia usar mais tarde para sua vantagem,
depois que derrubasse Hamlin. Quando fosse a hora de destruir Anfalas e Demi.
Mas não queria usar aquelas informações, e não sabia o motivo.
Talvez
porque ela era honesta. Porque não manipulava. Estava realmente dando alguma
coisa de si mesma e ninguém jamais fizera isso com ele. Ninguém jamais o fizera
querer partilhar seu passado. E no momento, ele lhe contara mais do que já
contara a qualquer um. De novo, sentiu aquela espécie estranha de calor.
— Está com fome?
Ela
se virou para ele.
— Sim.
— Bom. Vamos encontrar alguma coisa para jantar.
— Certo. Apenas espere enquanto troco a roupa.
Ele
acenou e de repente, foi assaltado pela imagem dela se livrando de todo aquele
couro. As chamas se tornaram mais ardentes.
— Vou esperá-la no saguão.
Ele
saiu do quarto e sentiu frio de novo.
Continua
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