Maratona 4/5
Demi
tentou afastar o arrepio que sentia, sempre que Joe estava por perto. Seria
conveniente atribuir isso ao frio do Alaska, mas não seria verdadeiro, já que
começara desde o beijo na varanda. Apertou o xale sobre os ombros. Vermelho, o
que era incomum para ela, combinando com os sapatos e o batom, e um vestido
negro, tudo fornecido por sua estilista com explicações explícitas. Assim como
sobre todas as roupas que havia levado para usar durante o fim de semana.
Para
seu horror, descobriu que seu assistente, que não sabia que seu caso com Joe
era falso, havia providenciado roupas de dormir muito sensuais. Enviou uma
mensagem de texto furiosa para ele, e a resposta tinha sido que o contato pele
com pele, era a melhor maneira de evitar a hipotermia.
Joe
esperava por ela no bar do restaurante do hotel, um copo de uísque na mão.
— Isto deve esquentá-lo.
— Quem disse que preciso esquentar?
— Você disse antes que não gostava de sentir frio.
— Acho que disse. — E sorriu, depois tomou o resto da bebida. — Vamos
encontrar uma mesa.
— Claro.
A
anfitriã surgiu e os levou até uma mesa num canto.
— Realmente gosto daqui — disse Demi depois de estarem sentados. —
Parece um filme de fantasia. Posso imaginar anões comendo aqui. No entanto,
deveria ser mais rústico e menos polido.
Se
pudesse retirar aquela declaração estúpida e reveladora, faria isso. O que
havia em Joe que a fazia revelar o que existia dentro dela? Talvez apenas não
estivesse acostumada há passar muito tempo com uma pessoa, que não fizesse
parte de seu círculo íntimo. Mas com Joe tentara manter sua imagem, porque ele
era um dos inimigos e não queria que visse as rachaduras em sua armadura. E o
próprio Joe parecia desumano, uma parede de puro granito, sem emoção.
E
então ele a surpreendeu.
— Talvez devesse usar este ambiente como inspiração para um jogo do seu
celular. Podemos nos coordenar e fazer alguma coisa em conjunto para meu
celular também.
— Oh, seria divertido. Você pode construir um de seus mundos de fantasia
e criar grandes cidades.
— E você criaria exércitos.
— Ou viveria em paz e caçaria e colheria. Acho que seria uma boa ideia.
— Pegou o cardápio. — Está vendo? Paixão. Isso ajuda.
— Prefiro controle. As coisas não são ao acaso. São previsíveis,
organizadas.
— Oh, mas Joe, assim nunca chega às alturas.
Alguma
coisa nos olhos dele mudou, escureceu, e ele os dirigiu para os lábios de Demi.
Ela os sentiu formigar apenas com o olhar dele. Bem, os lábios e algumas partes
mais baixas... Nem queria pensar a respeito. Sobre como ele conseguia fazer
aquilo. Com apenas um olhar
— Vou pedir o salmão — fez o possível para aliviar a tensão que apenas
ela parecia sentir. — Embora me sinta um pouco desleal com meu amigo do saguão.
— Há alguma coisa impiedosa em você, Demi. — A voz era rouca. — E também
vou comer salmão.
Ele
colocou o cardápio sobre a mesa e se recostou, os olhos escuros jamais se
afastando dos dela. Demi sentiu como se estivesse sendo caçada. Uma sensação
estranhamente excitante.
— A impiedade é parte da paixão. Mesmo quando tomo decisões que vão
contra o meu melhor julgamento, são nascidas da paixão. É evidente, ou não
estaria aqui. Minha vontade de arruinar Hamlin, de promover minha empresa, meu
bebê, bem, isso mostra bom senso. É a vantagem da paixão.
— Oh, há muitas outras vantagens na paixão.
— Há?
— Sim. A paixão é totalmente egoísta. É pessoal. E quando alimentada,
torna-se mais faminta. Exige satisfação, não importa o custo. — Ela não
conseguia tirar os olhos dos lábios dele. Hipnotizada pela forma como dizia as
palavras. E como eram capazes de despertar seu corpo.
Paixão,
como ele dizia, apenas ficava mais faminta quanto mais era alimentada.
Aparentemente era verdade em relação à paixão física também. Não tinha experiência
com isso. Outra coisa que escondia porque não era apenas uma geek, era também
uma virgem, que Deus a ajudasse. Aos 25 anos. Sua única experiência tinha sido
violenta, brutal e dolorosa. Sentia-se grata por ter sido interrompida antes
que a estuprasse, porque sabia que era aquela sua intenção. E havia lhe tirado
a confiança nos homens, não importava o quanto fingisse. Mesmo sem ter
experiência com a paixão física, podia sentir a verdade de suas palavras.
— É tão ruim quando as duas partes envolvidas são apaixonadas pelas
mesmas coisas? — Limpou a garganta. — Você e eu, por exemplo. Com esta coisa do
negócio, quero dizer. Tenho muita paixão pelo contrato com Barrows e você, bem,
você também o quer, porque nos beneficia. Assim, no final, minha paixão o beneficia
e vice-versa.
— É bom quando acontece, mas na minha experiência aquele que tem mais
poder, acaba assumindo o controle do jogo. E você não quer ser a perdedora, a
que fica sem o controle.
— Então, resumindo, no mundo de Joe o controle vence a paixão.
— Todas às vezes, cara.
— Mas o controle não lhe dá inspiração para bons jogos. Xeque-mate.
Ele
riu, um som que parecia arrancado dele, como se não estivesse acostumado a rir.
Ouvira-o rir algumas vezes, mas agora parecera mais sincero.
— Não posso argumentar com a sua lógica.
— Ótimo.
O
salmão foi servido logo depois, com vinho. Comeram em silêncio por algum tempo,
ambos desfrutando da vista do lago, que ainda estava brilhante apesar da hora
tardia graças ao verão do Alaska. Demi se lembrou de sua apresentação, quase
duas semanas atrás, e riu.
— O quê? — Ele ergueu o olhar para ela.
— Bem, duas semanas atrás você estragou minha apresentação e queria
matá-lo com qualquer objeto disponível. E agora aqui estamos, diante um do
outro, e tenho uma faca, mas nem mesmo quero usá-la em você.
— Fizemos uma longa caminhada.
— Verdade. Você parece quase civilizado.
— Não cometa esse erro, Demi.
— Por quê? Não quer atender às minhas expectativas?
— Não quero que tenha expectativas irreais. Não se esqueça, quando isto
terminar tudo volta a ser o que era. Ainda serei o inimigo e me lembrarei de
tudo o que me revelar. De cada segredo que souber. E os usarei contra você.
— Você foi franco comigo Joe. Apesar de seus pecados, não é mentiroso.
Portanto, acredito em você. — Sentiu uma dor no peito. — Não me preocupo.
Talvez
porque ele estivesse tão determinado a não fazer uma conexão com ela. Talvez
porque ela estivesse começando a sentir uma ligação, embora estranha, com ele.
Alguma coisa sobre ele certamente a comovia, atingia-a no fundo e a fazia
querer coisas. Sentir coisas sobre as quais não pensava. O quê? Mais beijos?
Mais do que beijos? Com ele? Seria realmente estúpido. E também delicioso. Uau,
precisava de ajuda.
— Está pronta para sair?
Ela
acenou. Mas se saíssem, voltariam para o quarto. Sozinhos. Juntos.
— Talvez pudéssemos dar uma caminhada?
— Às nove da noite?
— Ainda está claro.
— Ursos?
— Oh! Certo. Bem, realmente não quero encontrar ursos.
— Achei que não.
— Certo. Para o quarto, então.
Joe
deixou algumas notas sobre a mesa.
— Como está pagando pelas acomodações, pago o jantar.
— Nobre da sua parte. — Sentiu o estômago se contrair. Por que estava
reagindo assim? Era tão patético. — Oh! — Lembrou-se da roupa de dormir. —
Humm, eu o encontrarei no quarto.
— Certo. — Ele saiu e a deixou lá.
Ela
suspirou, então andou em direção às lojas. Compraria moletons. E não se
sentiria tão mal com Joe no quarto. Talvez.
Joe
se reclinou no sofá, os olhos no céu ainda claro às 23h. Demi havia
desaparecido no banheiro para uma chuveirada meia hora antes, e ele estava
apenas deitado lá, pensando demais. Não tanto sobre o corpo nu dela, sob a água
quente do chuveiro, porque não pensava nele? Estava permitindo que a vergonha o
dominasse, que o lembrasse do porquê de não se permitir se entregar à atração
que sentia por ela.
Não
o impedia apenas de agir, impedia-o também de querer.
Era
uma coisa que fazia realmente bem. Aprendera bem cedo, a dominar o corpo ao
pensar nas coisas certas. A se sentir excitado quando precisava, a impedir a
excitação quando isso o mantinha seguro.
A
porta do banheiro se abriu e viu Demi. Estava usando moletom cinzento, grande e
baixo nos quadris; além de uma camiseta preta com algumas palavras impressas.
Os cabelos estavam presos numa toalha. Tentou lembrar se alguma vez vira uma
mulher vestida tão casualmente. Nunca tivera uma amante. Tivera clientes.
Mulheres que pagavam para fazer sexo com ele. Para que fosse a fantasia delas.
E eram vaidosas. Para ele, estavam sempre arrumadas demais, com espartilhos que
desafiavam a gravidade e a natureza. Como se ele se importasse. Como se
houvesse alguma forma de tornar o ato, ou elas mais palatável.
Novamente
ficou impressionado com a suavidade de Demi, que ela tentava esconder. Mas que
estava lá, embora enterrada bem profundamente. E o fascinava.
Demi
desenrolou a toalha da cabeça, jogou-a no banheiro e balançou os cabelos
molhados. Eles desceram, ondulados, pelas costas dela. Então andou até a cama,
deitou-se no meio, tirou o tablet da bolsa e o ligou. Seu rosto se iluminou com
a tela clara. Colocou fones de ouvidos e começou a bater no teclado. Um jogo,
ele imaginou, especialmente quando gemeu de frustração. Não conseguiu deixar de
sorrir. Aquela paixão que ela defendia era uma coisa linda de se ver.
Ela
era linda, percebeu assustado. Sentia a beleza dela. Queria tocá-la. Possuí-la.
Era uma dor estranha e aguda. Um anseio profundo. Alguma coisa que sabia ter
sentido antes, mas que parecera perdida. Numa parte diferente de sua vida.
Talvez num homem diferente do que aquele em que se tornara.
— O que está jogando?
Ela
se assustou e tirou os fones.
— Pensei que estivesse dormindo.
— Não. Desculpe.
— Então estava apenas fingindo.
— Estou deitado no sofá, não estou fingindo.
— Espreitador.
Ele
riu. Estranho como ela o fazia rir. Normalmente não ria, apenas sorria. Não era
involuntário, espontâneo. Mas ela realmente despertava uma reação que ele não
controlava, que o deixava preocupado. Ressentido. Que aquela mulher, que era
apenas uma menina, tivesse tanto poder sobre ele. E no entanto, alguma coisa
nele também gostava, se sentia tentado. Tão tentado. Há quanto tempo nada o
excitava? Desde quando alguma coisa o fazia se sentir aquecido? Estava tão
cansado de sentir frio.
— Culpado — admitiu. — Eu estava admirando sua escolha de roupas.
— Você nem acreditaria no que Thad colocou na mala para mim.
— Seu assistente?
— Sim. Ele tinha, bem, momentos de sexo na mente, assim arrumou algumas
coisas... Bem, não meus moletons. Mas as lojas do hotel me deram o que
precisava.
— Gosto do seu moletom
Rendas
e sedas não teriam sido tão atraentes. Porque no momento, Demi era uma mulher
como nunca tinha visto. Limpa, sem disfarces, sem armadura. Como seria fácil
agora dizer as palavras certas. Sair do sofá e se deitar na cama dela. Um beijo
se transformaria em dois, que levaria a mais. Poderia lhe tocar a suavidade,
alimentar-se de seu calor. Estremeceu com força. Queria o corpo dela. Queria-a.
E quando percebeu o que estava planejando, o que estava se permitindo querer,
parou, gelado.
Algum
dia tomaria uma amante. Demorara demais para aceitar que precisava. Mas não
seria esta mulher. Não agora, não sob estas circunstâncias. Podia ver como
seria. Seu corpo por sua empresa. Deixarei Anfalas viver sem nenhuma interferência.
Tudo do que preciso em troca é você. Sob meu comando. Para o meu prazer.
Poderia fazer aquilo. E se tornar a coisa que mais odiava. Trocando favores.
Tirando vantagem.
Não,
não se permitiria aquilo, não mergulharia naquele inferno. Pouco restara de sua
alma. Tinha sido o custo de chegar onde estava. E o que sobrara estava ferido
além da cura. Mas não entregaria o resto. Seu corpo pulsava de calor,
atormentava-o com o gosto do que poderia ser. Não. A paixão era a rota para a
destruição. Apenas através do controle encontraria satisfação. Apenas através
dele seria capaz de descobrir a resposta, a paz para o tormento que o destruía.
Continua ...
Perfeito !
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