Capítulo 9


— Demi, você poderia vir aqui para conversarmos?  
A voz fria de Vanessa do outro lado da linha a fez estremecer.                                                             
— Mas meu vôo é só à noite — protestou ela. 
— Eu sei. Estou com a sua escala na minha frente, mas gostaria de vê-la imediatamente. 
Demi ficou olhando para o telefone como se sua chefe pudesse saltar dele a qualquer momento e confrontá-la em sua própria casa. Mas ela já esperava por isso. Muita coisa havia acontecido nas semanas que se passaram desde que Joe tinha ido embora de seu apartamento depois de fazer amor e deixá-la deitada no chão, se sentindo vulgar, barata e de coração partido. Demi havia rastejado até a cama e chorado, com o coração estilhaçado em mil pedaços. 
Havia descoberto há poucos dias que Joe deixara de voar pela Evolo, cancelando suas reservas abruptamente. Ouvira as reclamações de Vanessa, fazendo de tudo para que seu rosto não corasse, revelando que tinha alguma coisa a ver com tudo aquilo.                                                          
A descoberta mais estarrecedora, porém, viera algumas semanas depois. Demi ainda mal podia acreditar. Mas o médico havia confirmado suas suspeitas e agora ela teria de lidar com aquilo da melhor maneira possível. 
E como é que ela ia fazer isso? 
Grata por poder ocultar a saia já apertada sob a jaqueta de seu uniforme, Demi colocou uma dose extra de maquiagem para se preparar para o confronto inevitável. 
Da janela de seu escritório, podia ver Vanessa conversando ao telefone. Sua expressão ao erguer o rosto era de fúria. Ela pôs o telefone no gancho e chamou Demi com um gesto. 
— Fecha a porta — foram suas primeiras palavras. 
— Queria falar comigo?  perguntou Demi, notando que Vanessa não a convidara a sentar. 
E você não merece tudo o que está por acontecer? 
 Não banque a inocente comigo, Demi — disse Vanessa friamente. — Você deve saber exatamente por que está aqui. 
O que será que ela sabia? Demi tentou ganhar tempo. 
— Penso que... 
— Não, esse é exatamente o problema. Você não pensou! Apenas se deixou levar e infringiu nossa regra de ouro de não dormir com nossos clientes! 
Os olhos injetados de Vanessa fizeram com que Demi suspeitasse de que aquilo não se tratava apenas de trabalho. O próprio Joe, certa vez, havia insinuado que Vanessa tivera alguma coisa com ele. Demi sentiu um arrepio ao imaginar quem poderia estar com ele agora. 
— Eu sinto muito. 
— O que você achou que ia acontecer? — disse Vanessa, interrompendo o pedido de desculpas de Demi. — Achou que as pessoas não iam notar os seus olhares para ele por mais que você tentasse disfarçar? Realmente achou que um homem como Joseph Jonas ia ter algo mais para lhe oferecer do que uma relação rápida e conveniente? 
— Eu... eu não sou obrigada a ouvir isso, Vanessa. 
— Oh, é sim, Demi. Você não só me fez perder um dos meus clientes de mais prestígio, como também todos os sócios que ele poderia ter trazido consigo! O mínimo que você pode fazer agora é me ouvir! 
— Mas não há mais nada a dizer, não é? — perguntou Demi, com o coração acelerado, intuindo que Vanessa ainda não havia lhe dito o pior. 
— Ainda há muito que dizer! — retrucou Vanessa. — Você fez com que a minha organização parecesse pouco profissional e só fez piorar a imagem equivocada que as pessoas têm das aeromoças! 
— Olhe, eu já disse que sinto muito — repetiu Demi. — Joe foi tão persistente que eu... eu... 
Vanessa estava encolerizada. 
— Oh, foi mesmo? Bem, de acordo com a minha experiência, os homens nunca insistem a menos que recebam um sinal verde de uma mulher. Quero deixar bem claro que você nunca mais vai conseguir um trabalho nesse ramo. Eu vou me assegurar disso pessoalmente. Agora saia. 
Demi chegou a pensar se poderia ser dispensada no estado em que se encontrava, mas se deu conta de que seria demitida por justa causa. Era melhor sair de lá e nunca mais pôr os olhos em alguém da Evolo do que se expor e dar realmente o que falar àquela gente. 
— Eu enviarei o meu uniforme — disse ela. 
— Lavado a seco, se não se importa — disse Vanessa. 
Demi voltou para casa sentindo-se uma alienígena recém-chegada à Terra, disfarçada de ser humano. Era como se ela não pertencesse a lugar algum. 
Ela precisava falar com alguém, mas com quem é que se podia contar num momento como esse? 
Sua mãe enviuvara e se casara de novo, morando agora na Austrália. Ela não podia simplesmente telefonar e dizer: 
— Sabe o que é, eu estou grávida de um homem a quem provavelmente jamais verei outra vez. 
Ela também não poderia se abrir com nenhum dos amigos do trabalho. Suas melhores amigas de lá estavam muito ocupadas com suas próprias carreiras e não moravam em Londres. Além disso, Vanessa poderia prejudicá-las se soubesse que elas ainda mantinham contato com Demi. 
Ela ainda não havia contado nada nem mesmo ao pai criança! 
Demi estremeceu. Seu sangue pareceu gelar quando ela se deu conta da situação. Eu vou ser mãe. Aquela era a realidade nua e crua. Sem um homem ao meu lado, sem trabalho, nem perspectivas., 
O que ela ia fazer? Não havia muitas opções, na verdade. Ela levou a mão à barriga. Já havia crescido, mas ninguém ainda tinha notado. 
Vanessa teria enlouquecido se soubesse que Demi estava grávida de JoeGrávida de JoeSeu ex-amante grego ia ser pai e nem sabia disso. Ninguém sabia, mas em breve não seria mais possível esconder, e então... E então o quê? 
Ela foi para casa, trocou de roupa e se olhou minuciosamente no espelho de seu minúsculo quarto. Para um desavisado, ela parecia apenas uma mulher jovem cheia de curvas. 
Demi notou algo brilhante em meio à bagunça de sua gaveta de bijuterias semi-aberta e sentiu uma pontada no coração. Eram os brincos de prata que Joe havia lhe dado de presente naquela noite fatídica. 
O relacionamento tinha acabado dramaticamente, mas deixara uma conseqüência de vulto que requisitaria toda a sua maturidade. Joe podia não ter optado por gerar uma nova vida naquelas circunstâncias, mas não havia mais como voltar atrás. Ele tinha o direito de saber. 
Demi se lembrou do próprio pai, a quem tanto amara. Como teria sido triste se ela não tivesse podido conviver com ele apenas por causa da separação de seus pais. 
Decidir, porém, era uma coisa. Outra, muito mais difícil, era ir efetivamente se encontrar com ele. 
Demi levantou o fone diversas vezes, para recolocá-lo no gancho logo em seguida. Como ela poderia contar uma coisa daquelas por telefone? E se ele se recusasse a atendê-la? Ela precisava ver o rosto dele quando lhe contasse. Será que era muita perversidade de sua parte querer ver a verdade estampada nos olhos de Joe para poder se libertar do que sentia por ele de uma vez por todas? 
Assim que tomou sua decisão, Demi agiu rapidamente, grata por ter com o que se ocupar. Fez uma reserva para Nova York, encontrou um hotel e ligou para sua mãe. 
— Leve uma mala com poucas coisas — dissera ela, numa ligação muito ruim de New South Wales. — Parece que as coisas estão a um preço ótimo em Nova York. 
— É verdade — disse Demi, tentando parecer "normal". 
Fazer compras, porém, era a última coisa que Demi tinha em mente. O dinheiro estava curto. Ela havia se inscrito numa agência de trabalhos temporários, e embora tivesse realizado efetivamente alguns, nenhum deles pagava exatamente uma fortuna, de modo que ela estava precisando contar os centavos para se preparar para quando não pudesse mais trabalhar. 
Fazia muito tempo que Demi não ia aos Estados Unidos. Ela adorava voar e normalmente teria gostado muito daquela viagem, mas a importância de sua missão não deixou que dormisse nem que se concentrasse nos filmes exibidos. 
O quarto que ela pôde pagar era limpo, mas sem nenhum charme. Havia um vaso de flores artificiais e uma enorme TV dominando o espaço reduzido. O chuveiro, pelo menos, funcionava. Ela tomou uma boa ducha e se sentiu muito melhor. Deitou-se e fechou os olhos por um momento, e quando voltou a abri-los percebeu que já havia se passado muito mais tempo que havia previsto. A luz artificial que entrava pela pequena janela sinalizava que já era noite. Uma olhada em seu relógio confirmou: já eram quase 22h! 
Demi ficou decepcionada. Tinha planejado ir até o escritório de Joe e pedir para falar com ele, sem lhe dar tempo para inventar alguma desculpa. Agora, porém, estava se dando conta de que não havia pensando com clareza. Um homem na posição de Joe jamais estaria disponível daquela maneira. Ela já havia lidado com muitas pessoas poderosas na Evolo para saber que sempre havia alguém para protegê-los de qualquer perturbação indesejada. 
Quer fosse de dia ou de noite, ela ainda assim ia ter de obter a permissão de Joe para entrar em seu escritório. Ela estava decidida a não adiar mais o inevitável, nem por um minuto sequer. Quanto mais cedo cumprisse seu dever, mais cedo poderia ir embora. 
Mas são 22h! E se ele estiver com outra mulher? 
Então ela teria de encarar a situação, afinal, isso também fazia parte da realidade. 
Demi tinha adormecido com o cabelo ainda úmido, mas não havia mais tempo para ajeitá-lo. Ela não ia mesmo a nenhum concurso de beleza. 
Estava firmemente decidida a banir de sua mente e de seu coração a fantasia de que Joe olharia para ela e compreenderia o engano que havia cometido. A vida real não era assim, e, ainda que fosse, ela desenvolvera sua auto-estima nas semanas que haviam se passado e não permitiria mais que um homem a tratasse como um objeto sexual como Joe tinha feito. 
Demi prendeu os cabelos, botou um pouco de maquiagem e colocou um vestido largo. Depois pegou o telefone e ligou para Joe com a mão trêmula. Ele demorou tanto tempo para atender que ela chegou a pensar que a ligação ia cair diretamente na caixa postal. 
Finalmente ele disse com seu indefectível sotaque: — Sim? 
Seu nome deve ter aparecido no aparelho dele, pois ela pôde ouvir a cautela no tom de voz, a ponto de fazer com que tivesse vontade de chorar. Se ela pudesse simplesmente desligar... Ela respirou fundo. 
— Joe? Sou eu, Demi. Atrapalho? Ele não respondeu. Olhando para as luzes brilhando no horizonte, Joe pensou em mil maneiras de responder àquela pergunta. Não tinha esperado que ela ligasse, nem quisera particularmente que ela o fizesse. Sua curiosidade, porém, havia sido despertada. O que a teria feito engolir seu orgulho e entrar em contato com ele? 
— Como você está, Demi? 
Aquela era uma pergunta bem difícil de responder. 
— Eu preciso vê-lo. Preciso? Houve uma pausa. 
— Mas estou em Nova York. 
— Eu sei disso. Também estou aqui. 
A pausa dessa vez foi tão longa que Demi chegou a pensar que ele tinha desligado. 
Para sua surpresa, ele não quis saber o que ela estava fazendo lá. 
— Onde exatamente você está?— perguntou ele. 
Ela leu o endereço no alto do cardápio de serviço de quarto. 
— Você conhece esse hotel? 
Se ele o conhecia? Joe fechou os olhos e se lembrou de quando chegara àquela cidade e se hospedara na mesma região, provavelmente pelos mesmos motivos que ela. Lembrou-se do choque ao ver as pessoas desabrigadas e famintas pelas ruas, e sua determinação em conquistar aquela cidade. 
Em poucas semanas, ele havia conseguido um trabalho para ajudá-lo a se sustentar enquanto cursava a faculdade e nunca mais voltara lá desde então. 
— Você pode vir aqui? — perguntou ele com voz macia. 
— Onde? 
— Eu estou no meu escritório. 
Demi conteve um suspiro de alívio. Ao menos ele não estava com quem quer que a tivesse substituído. 
— Já é tarde — disse ela. 
Joe teve vontade de lhe dizer que ela não tinha nada a ver com o número de horas que ele trabalhava. O que ela estava fazendo lá, afinal? 
— Mandarei o motorista pegá-la — disse ele com uma voz deliberadamente fria. 
Aquele tom de voz fez com que Demi caísse em si. Eles eram ex-amantesJoe não tinha mais nenhuma ternura por ela. E terá menos ainda quando descobrir o que estou prestes a lhe contar. 
— Não, eu vou de metrô... 
— Não seja ridícula, Demi — interrompeu ele. — Já está muito tarde e eu disse que posso mandar um carro. O motorista vai ligar para você quando chegar. 
Demi percebeu que não fazia sentido algum discutir com ele, e que fazê-lo seria inclusive bastante estúpido de sua parte nas atuais circunstâncias. 
— Obrigada — disse ela, desligando rapidamente. 
Além do mais, ela estava começando a se sentir um pouco mal, sem saber se isso se devia ao seu estado, à diferença de fuso horário ou ao fato de não ter comido nada desde o vôo. 
Então coma alguma coisa! 
Seu corpo ansiava por algum alimento e ela não tinha a menor intenção de desmaiar na frente dele. 
Assaltando o frigobar como uma adolescente culpada, ela comeu um chocolate, alguns pretzels e tomou um copo de suco, imaginando quanto aquelas besteiras iam lhe custar. Foi então que seu celular tocou e ela se sentiu como alguém prestes a enfrentar o próprio julgamento. 
Um chofer uniformizado a esperava mantendo a porta da limusine aberta. Ela recostou no assento de couro macio enquanto o carro ganhava as ruas, tão estranhas e ao mesmo tempo tão familiares a ela por conta dos programas de TV. Demi pôs-se a escolher meticulosamente as palavras que usaria com Joe. Como dizer a alguém que ficara tão definitivamente no seu passado que se estava carregando parte do futuro dele em seu ventre? 
O carro parou na frente de um enorme arranha-céu brilhante. Havia uma mulher logo na entrada. Seus cachos escuros bem cuidados e seu vestido vermelho chamativo fizeram Demi se sentir desarrumada e sem graça. 
Quem era ela? 
— Olá, eu sou Miriam — disse a mulher sorrindo com dentes brancos como os de um anúncio. — Joe me pediu para recebê-la. Ele está lá em cima, em seu escritório. 
— Obrigada — disse Demi, ainda mais tensa quando o elevador envidraçado começou a subir. 
Ele não havia vindo recebê-la pessoalmente. Como será que havia explicado sua presença àquela tal de Miriam? Será que ela era sua nova namorada, enviada especialmente para que não pudesse haver nenhum mal-entendido? Ou será que era seu braço-direito na empresa e estava achando que poderia testemunhar aquela que provavelmente seria a conversa mais difícil da vida de Demi? Bem, ela não ia permitir a presença de mais ninguém na sala quando fosse começar a gaguejar. Se ele quisesse, poderia contar tudo a Miriam mais tarde, quando ela já tivesse ido embora. 
Ela foi levada a um enorme escritório, muito bonito, onde havia uma grande mesa sobre as quais estavam espalhadas algumas folhas de papel com desenhos em diferentes estágios de desenvolvimento, e um pote cheio de canetas e lápis. Não havia nenhum outro elemento no recinto. Nem quadros nas paredes, nem bugigangas em sua escrivaninha. 
Demi sentiu a presença de Joe atrás de si e se virou. Ele estava na outra ponta do escritório, olhando para ela, fazendo-a tremer, tanto de temor quanto de desejo. 
— Isso é tudo, Miriam — disse ele. 
Bem, aquele não parecia a fala de um namorado. 
— Ela é sua secretária? — perguntou Demi esperançosamente quando a outra mulher fechou a porta. 
— Ela, na verdade, é uma arquiteta — disse ele, vendo-a estremecer com o tom inconfundivelmente cáustico de sua voz. 
Joe não tinha idéia de qual poderia ser o motivo de sua presença ali. Será que tudo fazia parte de um plano sofisticado que tivera início quando ela terminou com ele antes que ele pudesse fazê-lo? Uma espécie de armação para tentar fazer com que se comprometesse com ela? Caso tivesse sido essa a sua intenção, o tiro havia saído pela culatra, e Demi estava prestes a descobrir isso. 
Ela o havia feito se sentir como se estivesse preso numa armadilha, irritando-o com suas demandas cada vez maiores e seu desejo de descobrir todos os segredos que ele guardava em seu coração, mas deixando-o também estranhamente descontrolado. Havia sido um alívio ver-se liberto da estranha atração que ela exercia sobre ele, ainda que por vezes sentisse falta da paixão de seu abraço. 
Joe havia rompido seu contrato com a companhia aérea em que Demi trabalhava porque não queria ter nenhum tipo de contato com ela para não correr o risco de cair em tentação. Aqueles olhos cor de violeta e aqueles cabelos sedosos como um mel escuro que haviam deslizado por seus dedos tão docemente... 
— Não quer sentar? 
— Obrigada. 
As pernas de Demi estavam bambas, apesar dos itens que ela havia comido do frigobar do hotel. 
— Gostaria de beber alguma coisa? Água, talvez? 
Ela balançou a cabeça, sentindo-se como se estivesse numa entrevista à procura de um emprego, torcendo para não perder a compostura quando mais precisava dela. 
— Não, obrigada. 
Joe ficou olhando para ela, à espera de alguma explicação, mas ela havia baixado a cabeça e estava fitando seus dedos entrelaçados como se eles estivessem prestes a revelar algo fascinante. 
Ele se irritou. O que ela estava fazendo ali, afinal? 
— Bem... 
Demi ergueu a cabeça, criando coragem para enfrentar a expressão estampada no rosto de Joe. As palavras cuidadosamente escolhidas que ela havia ensaiado no caminho pareceram-lhe completamente inadequadas. Não há uma boa maneira de dizer isso, Demi, portanto simplesmente diga. 
— Eu estou grávida, Joe. Ele não teve reação alguma. 

Um comentário:

  1. Do jeito que ele é vai achar que é outro ou então vai achar que ela engravidou de propósito para ter o dinheiro dele.. não duvido

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Espero que tenham gostado do capítulo :*