Capítulo 24 Penúltimo



Demi correu até suas pernas não aguentarem mais. Por fim, apesar do frio, ela se deixou cair, exausta.  
Escolheu a sombra de uma oliveira que, como tudo o mais na propriedade, naturalmente pertencia a Joseph Jonas. E eu também pertenço, pensou. Não era justo. Sua vida nunca lhe pertencera. Primeiro o pai a incentivara a ganhar uma bolsa de estudos. Depois, quando ele morrera, sua mãe arruinara seu futuro estudantil, e só quando a mãe se fora também Demi conseguira ter uma vida própria. Então conhecera Joe.  
Entretanto, no fundo sabia que ele era um bom homem. Descobrir que ela estava grávida após tanto tempo sem notícias fora um choque para ele. Não era de admirar que agisse do modo como agia. Ele só está querendo fazer a coisa certa, me trazendo aqui para garantir uma boa vida ao filho.  
Apesar do frio, do cansaço e do sofrimento, Demi começou a rir. Oh, pobre de mim! Tive um ataque de raiva, praticamente mandei embora um famoso estilista, briguei com meu irresistível futuro marido, e saí correndo nesse frio terrível... Tudo porque estou presa no paraíso sem nada para esperar a não ser o nascimento de meu adorado bebê!  
Assim colocado, vivendo em um paraíso, a última coisa que deveria sentir era pena de si mesma. Tratando de se recompor, Demi refletiu que de nada adiantaria ser vista assim... Amarrotada, com o rosto inchado e manchado pelas lágrimas.  
Olhou em volta do paraíso que não conseguia apreciar. Vislumbrou o ateliê do qual Joe  lhe falara, junto a um dos muros que circundavam a propriedade.  
Um sorriso iluminou seu rosto. Sabia que lá dentro devia haver uma pia onde lavar o rosto. E desejava ver os trabalhos dele de novo... Sua arte. Assim recordaria os bons momentos que haviam passado juntos.  
O Ateliê de Joe era um prédio de um único cômodo de teto baixo. Todas as janelas ficavam do lado norte, dando para a propriedade. E era totalmente isolado.   
Demi entrou ali com muita facilidade. Joe  não se preocupava em trancar portas dentro de suas terras bem protegidas.  
Ela parou no batente. O ateliê em nada se parecia com o outro, na França. Era escuro, triste e abandonado. Demi estremeceu... Não apenas por causa do frio. Ali não era um lugar para ficar. Virou-se para ir embora, e descobriu que estava com problemas. A porta batera com força por causa do vento, e emperrara.  
Demi resmungou. Se pelo menos não tivesse saído correndo e esquecido seu casaco e celular! Soprou as mãos geladas, mas de nada adiantou. Havia muitas frestas no velho prédio, e o vento as encontrara com facilidade. Começou a tampar todas as frestas e fechar as janelas estreitas, tentando se esquecer de que em breve escureceria.  
Descobriu uma pequena lamparina. E um aquecedor também, que Joe usara como mesa.  
Ao empurrar o aquecedor, derrubou uma pilha de livros e papéis. Decidiu se aquecer primeiro e depois arrumar a bagunça.  
Acendeu o fogo e a lamparina que encontrou. Depois, se ajoelhou no chão e começou a recolher os papéis.  
Enquanto fazia a arrumação, descobriu uma caixa grande repleta até a tampa com muitas coisas interessantes. Demi não pretendia olhar, nem precisava, porém não resistiu.  
Tudo estava muito bem acondicionado em pastas plásticas ou de papelão com descrições sobre o conteúdo escritas à mão e algumas datas. A primeira pasta que ela pegou estava datada de algumas semanas atrás.  
Com medo de encontrar algo desagradável a seu respeito, guardou bem depressa a pasta de volta na caixa. Preferiu examinar outra, com boletins escolares e fotografias, pois assim evitaria sofrimento, refletiu.  
Joe fora um menino inteligente e aplicado, diferente dos pais, que eram displicentes e desatenciosos.  
Demi leu uma dezena de bilhetes da diretoria do colégio que diziam quase todos á mesma coisa... Seria bom que vocês dois, ou um de vocês, comparecessem à escola nas reuniões de pais e mestres pelo menos uma vez por ano...  
A família Jonas podia ter muita tradição, mas era um zero à esquerda quando se tratava de afeto. Lendo a papelada, ela descobriu que Joe  passava quase todas as férias escolares no internato. Isso não era vida para uma criança. Demi ficou horrorizada com as injustiças que ele sofrerá.  
A seguir, leu cartas datilografadas e com uma assinatura floreada do pai dele, alegando negócios importantes em Kentucky, Melbourne, Londres e o sul da França que o impediam de visitar o filho. Para cada desculpa dada havia um recorte de jornal datado com a caligrafia de Joe. Eram fotos de um homem de expressão orgulhosa nas corridas de cavalos ou teatros, e de uma mulher magérrima quase sempre de óculos escuros sobre o tapete vermelho no festival de Cannes ou em alguma festa elegante.   
Demi fez uma careta. Seu filho nunca iria se queixar que ela era uma mãe ausente.  
Aposto que Joe odiava ser tratado assim, pensou, recordando as manchetes  
que já vira nos jornais a respeito dele, e que o chamavam de "Pobre Menino Rico" sem explicar por quê. Se eu tornar a ameaçar partir com o bebê, estarei provocando uma briga por nada.  
Demi se sentou com as costas apoiadas na grande caixa. Precisava haver outra solução. Ela fora sufocada pela mãe quando criança. Joe  fora deixado sozinho.  
Ela nunca fora independente e não sabia lutar para conseguir sua independência sem ser agressiva demais.  
E começou a ver uma luz no final do túnel. Joe era um magnata. Homens de negócios passavam o tempo negociando e eram dinâmicos. Precisava aprender a acompanhá-lo e ser uma esposa atuante. Só assim garantiria que ela e seu bebê participassem ativamente da vida do pai.  
Demi sorriu. Uma onda de satisfação a dominou. Tentaria forçar a porta, sair e voltar para a Villa para se desculpar com Joe e; pôr seu plano em ação. Porém, mais tarde...  
O ateliê estava bem mais aquecido. Quase sufocantepensou, franzindo a testa.   
Fechou os olhos. Seria uma pena abrir uma janela para deixar o vento entrar, porque resfriaria o ambiente de novo. E ela tivera tanto trabalho para esquentar o ateliê! Resolveu tirar um cochilo por causa da dor de cabeça que começava a incomodá-la...  
Mergulhado nós próprios pensamentos, Joe esfregava um dedo sobre os lábios. Era um completo mistério. Demi desaparecera da face da Terra. A última vez que a vira ela correra para fora da Villafuriosa o suficiente para ir andando até a Inglaterra. Entretanto, ninguém a vira sair da propriedade. Joe estava preocupado.   
Demi virará de cabeça para baixo sua vida sempre tão organizada, e agora desaparecera. Não era possível. Em parte, ele ria da ideia de uma mulher abandoná-lo.   
Isso jamais acontecera. Porém, no âmago de sua alma, outra emoção começava a surgir.  
Um desejo enorme de saber onde Demi se encontrava.  
Essa sensação era estranha para ele. No passado, sempre se sentira secretamente contente quando uma namorada se cansava de suas atitudes e, entre lágrimas, ouvindo-o dizer com um ar de fingida tristeza que era melhor assim, ia embora, frustrada. Isso o poupava de lhe dar o fora.  
Mas perder Demi era outra perspectiva, completamente diferente.  
Jamais imaginaria que ela fosse embora.  
E sua própria reação para o que acontecera o surpreendia ainda mais.  
Desejava Demi de volta, e não só porque era a mãe de seu filho.  
Pensando bem, desejara-a de volta na sua vida desde o instante em que a deixara na França.  
Fitou as chamas que dançavam na lareira da biblioteca e relembrou. O olhar assustado dela quando haviam se conhecido fora algo delicioso. Sua conversa à meia-noite no balanço do jardim fora ainda melhor. E, quanto à manhã na piscina...  
Um sorriso iluminou seu rosto másculo. Uma luz intensa brilhou em seu olhar ao se lembrar daqueles dias felizes e breves.  
Onde tinham ido parar esses dias? Lembrou-se dos desenhos que fizera na França, da pintura em seu escritório, e do quanto trabalhara no ateliê assim que voltara para casa, a fim de não deixar que o tempo apagasse os traços de Demi de sua mente. Tentara gravar na tela as imagens intensas que vivera com ela em Jolie Fleur...  
Ninguém a vira deixar a propriedade.  
Essa era a pista de que Joe precisava. De repente, a solução surgiu. Demi se parecia muito com ele... Ambos gostavam de ficar sozinhos, embora necessitassem muito de segurança. Ela devia ter ido para o único lugar dentro da propriedade aonde ele também iria. Agora tudo que precisava fazer era buscá-la.  
Demi poderia se ressentir por aceitar sua ajuda, mas, paciência. Saindo de casa resolutamente, foi procurá-la.   
A noite estava muito fria. Deixando a VillaJoe se viu em um mundo de sombras sob um céu estrelado.  
Corujas soltavam seus pios tristes, mas ele mal notou.  
Cobrindo a distância entre a Villa e o ateliê em menos de dez minutos, seus pés foram pisando as folhas secas.  
Uma enorme satisfação o dominou ao provar que estivera certo. Uma luz fraca e alaranjada surgia em meio à escuridão.  
Joe parou de caminhar para aproveitar o momento. Foi então que desejou ter trazido o casaco. Enrolar Demi nele e carregá-la nos braços de volta para casa seria tão bom... O pensamento o fez sorrir enquanto prosseguia.  
Continuou de bom humor até que não houve resposta para suas insistentes batidas na porta do ateliê. Tentou de novo.  
— Sou eu, Demetria. Vim dizer...  
As palavras morreram em sua garganta.  
Ela o acusara de ser agora um homem diferente. Se ainda desejava o homem que a seduzira na França, ele estava disposto a mudar. Mas pedir desculpas com uma grossa porta de carvalho entre os dois não era o ideal.  
Tentou abrir. A porta não cedeu. Aborrecido, espiou pelo vidro da janela. A luz ia esmorecendo depressa, e mal conseguia distinguir os objetos... Exceto o velho aquecedor que usara como mesa.  
Da última vez que o acendera, ficara dor de cabeça, provando que o aparelho não estava funcionando bem. 

3 comentários:

  1. Que capítulo intenso...
    tomara que eles se resolvam !!
    Eles se amam tanto ❤️
    Adorei tudo
    Beijos

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  2. Dona Larissa você já pode postar mais um de não eu vou te bater por me deixar tão curiosa

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Espero que tenham gostado do capítulo :*