— Não me importa o que você diga! — esbravejou Joe. — Não há condições de você permanecer aqui e eu não vou permitir uma coisa dessas!
Demi suspirou. Se tivesse um pouco mais de energia, talvez pudesse ter se oposto ao seu tom de voz, bem como à sua permanência ali, dominando a sala de estar de seu pequeno apartamento como parecia fazer com todos os lugares a que ia.
Queria que ele fosse embora porque ele era tão, tão... tudo. Teimoso... e deslumbrante. Tão deslumbrante. Isso sem falar no poder da sua sexualidade. Ela teve de repetir uma centena de vezes para si mesma que aquilo não era mais uma questão relevante para nenhum deles. Sabia que ele seria capaz de usar aquilo como uma arma se fosse necessário. Joe faria qualquer coisa para conseguir tudo do seu jeito.
A verdade é que ela ficara grata pela sua insistência em pegá-la no hospital, juntamente com Andreas e Alexius. Chegou mesmo a se perguntar como teria se virado sem ele. Não teria conseguido fazer nem mesmo uma coisa simples como abrir uma porta com uma chave que sempre emperrava carregando dois bebês no colo, além de toda a bagagem que havia levado para o hospital.
Mais uma vez, ela teve de conter as lágrimas de frustração e dizer a si mesma que estava apenas sensível por causa do desequilíbrio hormonal.
Joe havia providenciado um carro, que ela havia aceitado, e uma babá, que rejeitara. Aquilo o havia chateado, assim como muitas outras coisas, mas nada o tinha aborrecido mais do que olhar para o minúsculo apartamento agora que havia mais dois pequenos seres dividindo o espaço com ela e com toda sua parafernália.
Havia sacolas de plástico imensas, cheias de babadores, sabonetes para bebês e pacotes de fraldas.
— Olhe só para isso! Você não pode ficar aqui!
— Eu não tenho alternativa — disse Demi. — Muitos bebês moram em lugares como esse.
— Mas não dois bebês ao mesmo tempo!
— Eu vou dar um jeito — disse ela, já cansada.
— Já foi difícil voltar do hospital — salientou ele. — Você me disse que está equipada pela natureza para alimentar os bebês, mas e você? Não há quase nada na geladeira. Nenhuma fruta fresca nem verduras! É ultrajante!
— Nem todos podem contar com uma criadagem como a sua — disse ela, petulante, tentando esconder a mágoa. — Você poderia fazer uma compra no supermercado para mim.
— Oh, eu posso fazer melhor que isso — disse ele severamente, pegando seu celular.
Uma hora depois, as lojas mais caras de Londres estavam entregando alimentos na casa de Demi pelos quais ela jamais poderia pagar, nem mesmo no Natal. E pela primeira vez, depois de anos, Joe se viu desembrulhando-os por conta própria e usando toda sua visão espacial para acomodar os itens da melhor maneira possível na geladeira. Ele esquentou uma sopa para ambos e deu a Demi um copo de suco de frutas enquanto tomava um vinho, para então observá-la amamentando os bebês outra vez. Na hora de trocar as fraldas, porém, ele se ocupou em tirar a mesa. Sua criação grega e machista não lhe permitia dar conta daquilo.
Já fazia muitos anos que ele não lavava louça e, por mais estranho que parecesse, Joe gostou de fazê-lo. Ao voltar para a sala, porém, pôde perceber o esgotamento no rosto pálido de Demi, as profundas olheiras, e se sentiu... ineficiente.
— Você está cansada.
— Estou mesmo. Obrigada por toda a sua ajuda, Joe. Nos veremos em breve.
Ele notou o tom de despedida em sua voz e sorriu maliciosamente.
— Oh, mas eu ainda não estou indo embora, agape — disse ele severamente.
— Do que é que você está falando?
— Vou dormir no sofá esta noite. Ela o fitou alarmada.
— Mas você não pode!
— Não posso? Você não achou realmente que eu ia deixar você aqui sozinha na sua primeira noite em casa com os bebês. E se algo acontecer? E se você se sentir mal?
A atitude protetora dele fez com que Demi tivesse vontade de chorar, pensando em como as coisas poderiam ser diferentes se aquelas palavras fossem inspiradas no seu amor por ela, em vez do dever como pai. Mas aquilo era egoísta de sua parte. Seus sonhos com Joe pertenciam ao passado e ela precisava superar tudo aquilo em nome de Alexius e Andreas.
— Eu vou pegar um edredom para você — disse ela meio sem jeito.
— Obrigado.
Joe não se lembrava de ter passado uma noite tão desconfortável, nem mesmo quando dormira na praia, sob as estrelas, na Grécia, quando o calor era tanto que não se conseguia ficar dentro de casa. Naquela época, porém, ele não passava de um adolescente.
Desde então, ele havia se transformado num homem sofisticado, acostumado apenas a coisas finas. Ele mal tinha conseguido pregar os olhos. Fora acordado de manhã pelo som de uma carreta que parecia determinada a executar todo um repertório de ruídos, e depois pelo som da chuva, com direito inclusive a trovões.
Permaneceu ainda por algum tempo olhando em volta, incrédulo, até ouvir os passos de Demi. Decidiu então se lavar, se vestir e preparar o café para ambos. Seu delicioso aroma, porém, serviu apenas para lembrá-lo de que aquela situação não poderia continuar daquele jeito.
Demi entrou na sala. Tinha prendido os cabelos em duas trancas grossas que pendiam uma de cada lado do rosto. Estava usando uma calça simples de linho e uma camiseta. Ela parecia incrivelmente jovem e saudável.
— Você dormiu bem? — perguntou ela, pensando em como ele parecia dominar o recinto com sua presença e como tinha sido desconcertante imaginá-lo dormindo logo ali, do outro lado daquela parede fina.
— O que você acha?
— Eu tentei adverti-lo que...
— Você não compreende, Demi.
Ele não ia intimidá-la dentro de sua própria casa.
— O que é que eu não entendo, Joe?
A espera do próximo *-*
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