Capítulo 11


Demi não prestou atenção na incrível opulência do quarto de  hotel de Joe. Mal adentrou um metro da porta quando esta foi aberta por ele, em resposta a suas batidas hesitantes. Não sorriu e certamente não conseguia falar.  
Não olhou para ele, mantendo os olhos grudados num pedaço do tapete cor de creme diretamente à frente dos pés. Mas estava tão dolorosamente ciente da presença dele que sua cabeça girava, e seu coração batia descompassadamente. Manteve os dentes fortemente cerrados. Se relaxasse, eles começariam a bater de nervosismo.  
Estaria o espanhol esperando que fosse para cama com ele hoje à noite? Esta era sua parte no acordo, não era? Em resposta a este pensamento, seu estômago começou a percorrer uma montanha-russa dentro de si, e ela soltou um gemido baixinho.  
— Endireite-se!  
A imposição, com um ligeiro sotaque, a trouxe de volta à realidade. Não era para ela estar lhe tratando com a mesma frieza com que ele a tratava, em vez de agir como vítima encolhida esperando o machado descer?  
Levantou lentamente a cabeça, injetando gelo nos olhos azuis escuros. Era uma verdadeira luta para manter uma expressão de indiferença quando olhava para aquele rosto magro e belo e admitia que bastava que ele dissesse uma palavra gentil para que ela se derretesse como um floco de neve numa brasa.  
Esticando o queixo um pouco mais, à medida que a avaliação fria dos olhos estreitados de Joe fazia com que sua pulsação disparasse, ignorou as reviravoltas do estômago e disse, o mais desprovido de emoção que pôde:  
— Meu pai me contou que você já agilizou a sua parte do acordo.  
Um ligeiro dar de ombros resignado. Será que ela conseguiria aparentar sofisticação e indiferença? Não tinha idéia, mas tentaria.  
— É melhor acabarmos com a minha parte também.   
Este comentário pouco entusiástico deveria lhe dizer que ela encarava o acordo deles como algo puramente comercial, sem o envolvimento de emoções.  
— Se isso foi um convite, eu não me sinto tomado pelo entusiasmo.  
  
A bela boca de Joe endureceu. Por Dios, ela era um osso duro  
de roer! Mas ele estava esperando isso, não estava? Ela não hesitou em usar sexo como um artigo de barganha. Cinco anos atrás ele caíra para valer por aquele anjo doce e inocente. Que fingida que ela era!  
Porém, ainda era encantadora. Talvez ainda mais do que antes. Os olhos ainda conseguiam fazer com que sua alma estremecesse, e o corpo ardesse de desejo. E ele a teria, mas nas suas condições e não nas dela. Ele a faria implorar...  
Dando um passo para trás, indicou com um ligeiro gesto uma mesa posta defronte a uma enorme janela que oferecia uma vista resplandecente da cidade vibrante, toda iluminada.  
— Prefiro que nosso relacionamento seja civilizado, de modo que começaremos como pretendemos continuar — anunciou calmamente. — Com este propósito em vista, o jantar já foi pedido, e enquanto jantamos discutiremos as futuras providências.  
Encerrando aquela declaração de intenções fria, Joe colocou a mão suavemente na parte inferior das costas dela, e a encorajou a caminhar na direção da mesa posta com elegância. O carrinho do serviço de quarto chegou, puxado por um garçom impassível.  
Ele reconheceu o vestido que Demi estava usando como sendo o mesmo que usara na noite do evento de caridade. Sexy. De seda. Um desenho discreto que sugeria de modo provocante as curvas delicadas e reentrâncias intrigantes de seu corpo divino. Podia sentir o calor dela nas suas palmas, o modo como a seda deslizava pelo corpo de Demi conforme ela se movia, e sua virilha latejou ferozmente. Se estivessem sozinhos, teria tomado-a nos braços...  
E estragado o seu plano de fazê-la implorar, cair de joelhos e implorar até que ficasse sem fôlego, e só então...  
A regra era não tocar. Ainda não. Retirando a mão rapidamente, deu um passo à frente e puxou a cadeira para ela, e depois acomodou-se no próprio assento do outro lado da mesa, furioso porque o controle de sua libido era limitado no que dizia respeito a Demi 
  
Observando-o do jeito mais impassível que podia, levando em consideração o modo como o toque dele a afetava, Demi invejou sua cortesia quando ele aprovou o vinho que tinha pedido para acompanhar o que quer que o garçom servira no seu prato. Joe estava usando um terno cinza claro muito bem talhado e uma camisa com listras cinzas finas que acentuava o tom azeitonado escuro de sua pele. No rosto, o despontar vespertino da barba cerrada que sempre fez com que Demi quisesse acariciá-lo.  
Ainda fazia! Levantando o seu garfo quando o garçom abandonou o recinto — não estava com a mínima fome, mas empurrar de um lado para o outro a comida, que sem dúvida devia estar deliciosa, dava-lhe algo para fazer — ela desafiou:  
— Acredito que você queira discutir a minha condição temporária como sua amante.  
Esperava que o tom profissional o fizesse se sentir tão desejado quanto uma lesma preta gigantesca num prato de salada.  
Mas o único efeito foi um leve levantar da sobrancelha negra.  
Com pouco caso, ele disse:  
— A condição de amante está bem acima do que eu tenho em mente para você.  
Joe levantou o copo de vinho.  
— Presumo que o seu passaporte esteja em ordem.  
O fora a devastou. Ele realmente a desprezava, não é? Mas sua voz foi tão fria quanto gelo quebrado quando lhe respondeu:  
— É claro, por quê?  
— Partiremos para uma das minhas casas no fim da semana. Neste interim, estarei envolvido com os meus advogados, resolvendo os detalhes para colocar o meu homem de confiança em condições de reinventar a Lifestyle para o século vinte e um. Não nos encontraremos mais até sexta-feira de manhã cedo, quando a apanharei a caminho do aeroporto.  
Demi não deveria estar arrasada com o pronunciamento, mas estava. Durante a reunião com o pai, naquela manhã, ficara tão surpresa com a velocidade com que Joe estava pondo as coisas em movimento, com o modo como ele interferira com a sua mudança de idéia, sim, porque ela não podia correr o risco de perder o que nunca antes tivera (a aprovação do pai), que não absorvera por completo o significado de... “o seu acordo de passarem algum tempo juntos em Andaluzia”. O fato de que ele pedira para ela esvaziar a sua mesa também não havia feito com que percebesse exatamente a situação. Se eles estavam para contratar editores descolados, ninguém ia querer Demi por perto, porque ela seria como um peixe fora d’água.  
Agora seu estômago brindava-a com uma das piruetas que haviam se tornado tão comuns desde que Joseph Jonas entrara em sua vida novamente. Aqui no início frio da primavera londrina, podia manter uma fachada de indiferença. E só isso já exigia um esforço supremo. Mas voltar à Espanha com ele, onde tudo começara. Não conseguiria suportar a dor acre-doce que isso lhe causaria. Abaixando o garfo, seus olhos encontraram os dele. Foi preciso apenas um instante para recuperar o controle das cordas vocais retesadas e comentar:  
— Corrija-me se eu estiver errada, mas você não me disse nada sobre a minha ida com você para a Espanha. Eu pensei...  
— Pensou que algumas trepadas enquanto eu estivesse aqui na Inglaterra cancelariam a dívida? — Joe interrompeu secamente, seus longos dedos apertando a delicada haste do copo de vinho. — Não mesmo. Quando você me recompensar pela maneira como se portou há cinco anos, será numa hora e num lugar de minha escolha.  
E a pequena sirigaita não estaria se comportando como se fazer amor com ele fosse uma tarefa mundana e necessária como, por exemplo, separar a roupa para lavar. Estaria tão ansiosa e disposta como estava cinco anos atrás, seus lábios doces arquejando pela satisfação de que ele a privara, porque a amara de verdade. E quando ela estivesse prestes a se desintegrar, ele a tomaria nos braços, e tiraria da cabeça a frustração e a raiva que, por tempo demais, vinham sendo os seus demônios interiores. E a dispensaria. Faria com que ela soubesse, de uma vez por todas, qual era a dor da rejeição.  
Notando a repentina cor escura que cobria as faces magras, o brilho sombrio dos olhos detrás dos cílios espessos, Demi tentou afastar da cabeça as imagens dela própria sendo usada como um brinquedo sexual barato, e decidiu que chegara a hora de esclarecer tudo. Depois disso, ele certamente reconsideraria, e a deixaria ir embora. Talvez com um pedido de desculpas e uma promessa de não retirar a oferta de investimento na revista.  
Mas será que era realmente isso que ela queria? — Comentou um lado de si que secretamente desprezava. — Ela ainda não o desejava, apesar de fingir o contrário? Não tinha uma esperança infantil e perversa de que ele acabaria se apaixonando por ela? Realmente se apaixonando, desta vez, e não fazendo hora com uma adolescente bobinha, falando o que ela queria escutar, porque se divertia em vê-la cair sob o seu encanto. Sem estar realmente falando a sério, já que ele passava todas as noites, não trabalhando como alegava, mas se divertindo com uma mulher deslumbrante e sofisticada, de sua própria classe social, que realmente sabia satisfazer o seu homem. Não, era seu dever tentar escapar deste acordo traiçoeiro, se assim o conseguisse. Para isso, devia contar com o que restava de seu autocontrole e sua dignidade, desejando fervorosamente que pudesse acreditar em si mesma. Agarrando a base do copo de vinho até agora negligenciado, perguntou:  
— Não acha que devíamos conversar a respeito?  
O leve levantar de uma das sobrancelhas escuras foi a única expressão daquele rosto magro e perigosamente belo; — Pensei que estávamos fazendo isso.  
— Não, não isso. Não os termos e condições — explicou, por demais consciente da cor quente que tomava conta de sua pele quando a lembrança do que exatamente ele esperava dela surgiu na sua cabeça, com a força de uma explosão nuclear. — Mas o porquê de você ainda estar tão zangado comigo pelo que aconteceu naquela noite, anos atrás. É um bocado de tempo para se carregar rancor, Joe— falou gentilmente, querendo que ele escutasse, ou que pelo menos entendesse que a culpa não fora exclusivamente dela. — Eu sei que agi como uma idiota, mas...  
— Basta! Não tenho nenhuma vontade de escutar as mentiras que você teve tempo de inventar!  
Os olhos negros brilhavam de desprezo.  
— Você pode parecer um anjo, mas mente como o diabo! — ele a informou, com uma intensidade mortal. — Eu vi o que vi, escutei o que escutei! Perdición 
Ele se pôs de pé, afastando a cadeira e avultando-se diante da moça.  

4 comentários:

Espero que tenham gostado do capítulo :*