Capítulo 8

Demi encolheu-se para escapar do brilho selvagem dos seus olhos negros. É claro que se lembrava. Lembrava-se de cada palavra que disseram um para o outro. E quanto às últimas palavras desprezíveis que lhe dissera... Bem, não tinha desculpa, certamente nenhuma que ele desejasse escutar. Ferir o orgulho de um espanhol...
— A oferta está na mesa — ele disse, com uma voz tão áspera que fez Demi sentir como se tivesse acabado de ser diagnosticada como paciente terminal. — Você irá morar comigo, deitar-se comigo, dar-me prazer até que eu esteja cansado de você. Em troca, não cancelarei os anúncios da minha empresa na sua revista, em favor de um dos seus concorrentes. Eu até entrarei como sócio, trazendo sangue fresco que melhorará a imagem desgastada da Lifestyle e a levará de volta ao sucesso. Caso você recuse, como é o seu direito, é claro, aí...
Com um ligeiro dar de ombros, ele deixou a ameaça pairando no ar, um ar que parecia sufocar de tão grosso e pesado.
Demi não conseguia respirar. Seu cérebro não estava funcionando como devia. Conseguia apenas escutar as palavras que se imprimiram na mente — deitar-se comigo, dar-me prazer — e apenas admirar com um desprezo impotente como o calor entre as suas pernas aumentava reagindo àquelas palavras, e como ao tomar ciência disso o seu corpo estremeceu. Após tanto tempo, ele ainda era capaz de mexer com ela. Quantas vezes se dissera que ele não merecia sequer um pensamento seu? Milhões. Contudo, bastava estar perto dele...
— Eu acabo de ficar noiva — saiu de seus lábios insuportavelmente sensíveis. Sabia que ele consideraria a declaração irrelevante.
— Rompa o noivado.
Ele se levantou, grande, magro e intimidante. Mas tão absolutamente lindo que sentiu a boca ficar seca ao olhar para ele, procurando o homem pelo qual fora perdidamente apaixonada.
— Eu a procurarei amanhã cedo, para saber o que decidiu.
Joemarchou para fora do recinto, fechando a porta atrás de si. Demi estremeceu, envolvendo com os braços um corpo que parecia prestes a desmontar. Privado da presença de Joe, o recinto parecia frio e
vazio. Trêmula, lembrou-se que ele sempre proporcionara uma atmosfera tão cheia de vida, que o ar ao seu redor estava sempre carregado de energia sexual. Infelizmente, nada mudara neste sentido.
Sentiu-se enjoada de tanto nervosismo. O que Joepedira — exigira — dela era impossível! Sufocou, com um balançar brusco da cabeça, a idéia desconfortável de que ele só precisava ter usado uma palavra gentil, confessado, com arrependimento, que a enganara anos atrás, e o impossível teria se tornado possível.
Como um suíno arrogante, estava acusando-a de estar errada. É verdade que se comportara de maneira atroz. Mas ela era jovem demais para lidar com sua traição com qualquer vestígio de dignidade. Tinha bebido demais, estava quase histérica...
— E aí, como é que foi?
Demi quase morreu de susto. Estava absorta nos próprios pensamentos e não ouvira Ben entrar, nem sentira-o colocar a mão em seu ombro.
— Eu vi o senhor Raffacani ir embora. Por que será que esse nome me parece conhecido? — Ele deu de ombros, considerando o fato de pouca importância. — Será que você por acaso convenceu-o a não cancelar o seu contrato de publicidade? — perguntou, com a derrota na voz. — Parece que os patriarcas não conseguiram chegar a um acordo com ele.
Ao ouvir o tom resignado da voz de Ben, Demi ficou de pé. As sobrancelhas dele se levantaram de modo inquisitivo. Não havia nenhuma aura de sexualidade ardente ao seu redor, apenas uma normalidade confortável, silenciosa e apática. Pela primeira vez na vida teve vontade de se atirar nos seus braços e implorar que a salvasse dos antigos desejos traiçoeiros que Joedespertara nela. Mas eles não tinham o tipo de relacionamento passional que possibilitaria isso. Por anos tentara parecer sofisticada e distante, no comando. Ele detestaria que ela desabasse.
Os olhos ardiam com as lágrimas, e, para ocultá-las, curvou-se para ajustar a alça de um dos sapatos. O querido, prático e cordato Ben ficaria mortificado se soubesse que estava considerando — mesmo que por um segundo — prostituir-se para salvar a revista.
Mas ela não estava, estava? Silenciosamente, convenceu-se. De jeito nenhum! Nunca! Endireitou-se, forçando-se a aparentar normalidade.
— Não podemos discutir isso agora. Mais tarde. Podemos ficar mais uma meia hora e depois, quando for me levar para casa, conversaremos a respeito.
Um olhar de incredulidade instalou-se nas suas feições agradáveis.
— Os patriarcas vão querer saber o que ele disse para você, sabe que vão. Não podemos abandonar a nossa própria festa. As pessoas vão, no mínimo, estranhar!
— Claro que não! — Demi suspirou resignadamente, explicando: — Vão entender que somos como todos os casais que acabaram de ficar noivos: desesperados para ficar juntos sozinhos.
— Não seja grosseira, Demi. Não lhe cai bem — ele disse amarrando a cara, — E para que todo esse mistério? O sujeito ou vai acabar com a gente, ou não. Basta dizer sim ou não.
Ignorando a repreensão — nunca houvera ansiedade no desejo de estarem juntos sozinhos, de modo que ele não entenderia o que ela estava sugerindo — enfiou a mão debaixo do braço dele e explicou:
— Não é tão simples assim. Raffacani me fez uma proposta com certas condições. Preciso conversar com você em particular a respeito delas, antes que tudo desabe ao nosso redor.
Ben olhou confuso para Demi, mas desistiu de continuar discutindo o assunto, e eles voltaram para a festa. E, pelos quinze minutos em que circularam e conversaram com os convidados, Demi sentiu como se seu cérebro tivesse sido triturado, e sua impotência diante da situação fez com que seu estômago se contorcesse e o coração batesse bem forte no peito.
Ela tinha a oportunidade de salvar os empregos dos colegas, garantir-lhes um futuro mais brilhante e próspero. Uma palavra sua impediria que Arthur Clayton e seu pai tivessem de encarar a falência. Devia-lhes isso, não devia?
Uma mão tocando-lhe levemente o ombro fez com que ela retesasse a espinha. Mas era apenas Maggie Devonshire, a editora de fotografia.
— Até que enfim consegui falar com você! — Seu rosto irradiava contentamento. — Estou tão feliz por vocês. Dois jovens começando a vida juntos. Isso é lindo! – Lágrimas embaçaram os seus olhos amendoados e cansados. — Mostre-me o anel.
Quando Demi colocou a mão na da mulher mais velha, seus próprios olhos arderam. Maggie era fantástica. Encarava seus problemas com elegância e coragem. O filho sofrera danos cerebrais ao nascer. Billy era um homem jovem com a idade mental de quatro anos. O marido de Maggie a abandonara anos atrás e ela encarava tudo sozinha: deixar Billy na creche no caminho do trabalho, pegá-lo no caminho de volta para casa. E sem nenhuma palavra de auto-piedade. Se ela perdesse o emprego, nunca encontraria outro. Com seus cinqüenta e poucos anos, o melhor que poderia conseguir seria algo mal remunerado e servil, como talvez limpar escritórios.
Um frio desconfortável espalhou-se pelo seu corpo quando Maggie, tendo acabado de admirar o anel de brilhantes, soltou sua mão e confidenciou:
— Foi muita gentileza sua me convidar, mas eu realmente preciso ir. Billy está passando a noite com uma vizinha, e eu não quero abusar da generosidade dela. Nunca se sabe, eu posso precisar novamente, quem sabe, um milionário bonitão pode me convidar para jantar!
Quando ela se virou para ir embora, rindo do próprio sarcasmo, Demi pôs a mão trêmula no braço de Ben.
— Vamos embora! — murmurou.
Será que podia negociar o corpo em troca da revista e dos empregos que ela proporcionava? E por que pensar no que isso envolveria fazia com que um calor sombrio lhe corresse nas veias?
Teria de devolver o anel de Ben. Será que ele ficaria muito magoado? Será que um caso breve — quanto tempo levaria para Joese cansar dela? — a deixaria capaz de sentir algo além de profunda humilhação?
Ainda mais humilhada do que se sentia agora, zangada consigo mesma, sua pele se arrepiou e o coração se acelerou ao pensar em fazer amor com Joseph Jonas.

— Você vai fazer o que ele quer?
Largado no sofá, Ben ouvira tudo o que ela tinha a dizer afundado em um silêncio pesado. Agora, aguardava uma resposta para a sua pergunta.
Demi, que andava de um lado para o outro, movida por uma tensão interior, não conseguia encontrar uma, e só parou quando Ben disse, calmamente:
— Você quer fazer isso. Você ainda o quer. Cinco anos atrás você jurou que estava loucamente apaixonada por ele. Eu e Sophie pensamos que era uma paixão de adolescente. Nenhum de nós sabia quem ele realmente era, e eu supus o pior a seu respeito. Pensei que ele estava enrolando você para conseguir arrancar-lhe alguma coisa.
Seus ombros se curvaram com um tremor cansado.
— Quando ele não apareceu naquela noite, pensei que era o fim da história. Obviamente, não era.
— Acontece que ele apareceu — Demi admitiu com tristeza, se questionando por que Ben não estava furioso com a proposta de Raffacani, jurando matá-lo se ele se aproximasse dela de novo. Também se perguntando por que a sua reação pragmática não a magoava.
Gentilmente, sentou-se na borda do sofá ao lado dele.
— Naquela última noite, ele apareceu com uma mulher fabulosa, que parecia ser tão rica quanto Midas.
Talvez não valesse a pena mencionar a ocasião em que os avistara pouco antes.
— Eu estava doente de ciúmes. Queria me vingar. Foi aí que beijei você, lembra?
— Claro que me lembro! — Constrangido, ele se ajeitou. — Eu fiquei estupefato. Aquele tipo de comportamento em um lugar público não era típico de você. Foram necessários meses para que eu me sentisse confortável na sua companhia novamente.
Ignorando as evidências do puritanismo de Ben, Demi confessou:
— Joe estava de pé, bem atrás da gente. Eu disse algo realmente desprezível para ele. E por isso que ele colocou condições tão absurdas em troca da sua ajuda: para me punir. Eu feri o seu precioso orgulho.
Ben virou a cabeça para olhá-la. Algo naquele olhar lhe dizia que ele havia se resignado a perdê-la, pensou em pânico, sabendo que,
mesmo que não estivessem apaixonados um pelo outro, ele representava a segurança emocional .
— Certamente isso não é impossível. E obvio que você atingiu algo mais, além do orgulho dele — disse gentilmente. — Cinco anos é um bocado de tempo para alguém como ele fomentar uma paixão.
— Não seja ridículo! Eu já disse, ele quer me punir.
— E você quer este tipo de punição?

2 comentários:

Espero que tenham gostado do capítulo :*