Capítulo 9


— É claro que não! — ela negou, a face enrubescendo com o pensamento do tipo de punição que Joe poderia escolher.  
— Então por que não lhe disse de cara para dar o fora? Por que achou que tinha de discutir a situação, se não estava disposta a aceitá-la? E não me venha repetir toda aquela conversa de salvar a Lifestyle e tudo mais. Se tudo desmoronasse não seria o fim do mundo. Os patriarcas se aposentariam confortavelmente e eu encontraria algum outro trabalho na minha área, sem problemas...  
— E quanto aos outros? Eles perderiam os seus empregos. E Maggie? O que ela faria? — interrompeu bruscamente, exaltada por ele estar reduzindo suas preocupações a um bocado de papo furado e a um desejo oculto de fazer exatamente o que Joe sugerira 
— Pessoas perdem o emprego o tempo todo — ele observou. — Elas não morrem de fome. Elas se viram. E quanto a Maggie, ela já está perto da idade de se aposentar. Receberá uma generosa pensão.  
Ele soltou um longo suspiro e levantou-se.  
— Admita, Demi. Você se sacrificaria de bom grado. Nós nunca fingimos ter uma grande paixão. Se, lá no fundo, você ainda está apaixonada pelo seu espanhol, vá em frente. Mas seja honesta, não aja como se isso fosse algo mais do que a necessidade de estar com ele a todo custo.  
Ele colocou as mãos nos ombros dela e os apertou afetuosamente.  
— Pense a respeito e seja honesta consigo mesma. E, caso você decida fazer o que ele pediu, você tem o meu aval. Eu não ligo para todo esse negócio de romance e paixão, você sabe disso. Mas, mesmo assim, não gostaria de ter uma esposa que secretamente deseja outro homem.  
Não daria certo.  
Ele deu um último sorriso.  
— Fique com o anel como um símbolo de minha estima por você.  
Demi não saberia dizer por quanto tempo permanecera sentada ali no sofá, depois que Ben saíra. Estava para Demi da de choque. A facilidade com que ele se despedira dela. A pertinência com que chegara ao âmago da questão. Ela ainda queria Joe, ainda estava apaixonada pelo belo e jovem espanhol carismático que partira o seu coração anos atrás.  
Embora nunca tivesse se considerado estúpida, pensava de forma diferente, agora.  
Cansada, arrastou-se até o quarto. Não estava disposta a encarar Sophie. Fechando a porta atrás de si, apoiou-se nela, pressionando a têmpora pulsante com as pontas dos dedos.  
Joe exigiria a sua resposta na manhã seguinte.  
Será que seria forte o suficiente, racional o suficiente para mandar ele se catar? Para deixar que a Lifestyle fosse de encontro ao seu destino ignóbil? Como Ben disse, não seria o fim do mundo se a revista acabasse. Salvá-la seria apenas uma justificativa para as suas ações. Um sacrifício de bom grado.  
Ou será que iria para deitar-se com ele e dar-lhe prazer? Aproveitar o que pudesse e depois suportar a vergonha e a dor quando tudo acabasse? Será que ela poderia resistir à tentação perversa?  
  
Saindo do táxi que o trouxera do hotel no centro de Londres onde estava hospedado, Joe mandou o motorista esperá-lo, pois não iria demorar muito.  
Apesar do sobretudo de cashimira, ele estremeceu, culpou o clima inglês deplorável e trincou os dentes. A nova sensação de tremor dentro de si nada tinha a ver com a resposta que esperava receber.  
Era devido ao clima deprimente, das ruas e prédios acinzentados, tão diferentes da sua terra natal vibrante e colorida... Sua própria alma chegou a estremecer. Ou então se gripara. Isso explicaria a faixa de suor que gelava a sua testa.  
A boca se retorceu. Estava ficando hipocondríaco, agora!  
Afastando essa hipótese desagradável, abriu a porta do que outrora fora uma elegante casa na cidade e que agora transformara-se em pequenos apartamentos. A entrada desprovida de mobília era árida. Uma bicicleta estava apoiada contra o corrimão da escada. Seu coração pulava como um peixe em terra quando começou a subi-la, mas recusava-se a permitir que a possibilidade de uma resposta negativa à sua proposta se enraizasse em sua mente.  
Cinco anos atrás, quando realmente a amava, ela cobiçava sexo, forçou-se a lembrar. Fora necessário todo o seu autocontrole para recusar. Sabia que a desejara como nunca desejara nenhuma outra mulher, mas ela era jovem e impressionável e ele precisava que Demi tivesse tanta certeza quanto ele. Por respeito, se negara ao prazer de fazer amor com ela, de modo que, naquela última noite, Demi escolhera Clayton como o seu alvo, dispensando o suposto garçom pobretão como poeira debaixo dos pés.  
Faminta por sexo naquela época — nada mudara nos anos seguintes. Sem problemas, então. Ceder às suas exigências de retribuição não lhe seria penoso. Com o acréscimo da considerável bonificação da segurança financeira que viria com a revitalização da Lifestyle. Isso seria importante para Demi. Apesar dos compreensíveis protestos iniciais, tivera a noite toda para pensar na sua proposta. Demi Lovato sempre faria o que fosse melhor para si.  
Ela seria dele! Tinha certeza disso!  
Fechou as mãos enquanto o corpo se enrijecia com a lembrança das reações apaixonadas e ansiosas de anos atrás. Como ele a adorara, a magia cega de estar apaixonado pela primeira vez na vida fazendo com que a romantizasse, acreditando que ela fosse um anjo enviado dos céus apenas para ele.  
Cretino!  
Cerrou os dentes, alcançando o segundo andar, de pé defronte do apartamento que ela ocupava, sua mente obscurecida por um incomum lampejo de dúvida.  
Clayton.  

Será que ela já dispensara o pobre coitado? Será que ele estava agora mesmo sofrendo de um caso de coração partido? Lembrava-se exatamente de como se sentira naquela noite, cinco anos atrás. Naquela noite e em várias outras noites insones. A angústia da solidariedade o abalou. Mas, com determinação, ele a repudiou.  
Demi Lovato era uma assanhada. A longo prazo, estava fazendo um enorme favor a Clayton.  
Ergueu a mão e tocou a campainha.  
chá matinal, geralmente bem-vindo, tinha um gosto  
desagradável. Demi pôs a xícara na bancada de café. Não aguentava tomar nem mais uma gota.  
Não dormira, não esperava fazê-lo. E o que ele entendia por “cedo”?, perguntou-se, agitada.  
Pelo menos Sophie não estaria por perto quando Joe chegasse. Já passava das três quando escutou o caminhar exageradamente cauteloso da outra moça na direção do próprio quarto, de modo que ela provavelmente iria dormir até as onze ou mais. Afinal de contas era domingo, o dia em que elas normalmente reservavam para relaxar, resolver pendências, pôr a fofoca em dia.  
Irrequieta, foi para a sala de estar. Não haveria nada de normal no dia de hoje.  
Era a hora da verdade.  
Seu coração palpitou fortemente.  
Será que sim? Será que não?  
Puxando a camiseta arroxeada por sobre os quadris vestidos de jeans, ela caminhou até o espelho que ficava pendurado acima da lareira bloqueada. O que viu não serviu para estimular sua autoconfiança. Parecia ter doze anos, concluiu, suspirando com desdém.  
A camiseta folgada escondia as curvas delicadas. Parecia tão Demi quanto uma tábua. O cabelo preso para trás com uma tira frouxa parecia sem graça e sem vida, como os olhos, adornados por olheiras que, pesarosamente, a encaravam de volta.  
Reprimindo o impulso repentino de ir dar um jeito na aparência, virou-se e andou até a cozinha. Não tinha intenção alguma de impressioná-lo. Para falar a verdade, o fato de parecer uma boneca de pano que fora abandonada na chuva poderia fazer com que ele decidisse que não queria mais nada com ela, retirasse a proposta indecorosa, e tirasse de suas mãos a decisão com a qual lutara a noite toda.  
Talvez, se comesse alguma coisa, a terrível sensação que estava no seu âmago iria embora. Mas bastou uma olhada para a xícara de chá esfriando para que se sentisse enjoada, e, desistindo de comer, pulou como um gato escaldado quando a campainha tocou.  
Era ele!  
E ainda não decidira que resposta dar. Ben fizera com que examinasse a fundo suas razões para então considerar, por um segundo que fosse, que a proposta de Joe equivalia a uma chantagem. As conclusões a que chegara revelaram coisas desconfortáveis a seu respeito. Sabia o que queria, mas não conseguia se convencer de que isso era o melhor para si, ou para Joe 
Um toque mais persistente e mais estridente da campainha da porta fez com que corresse para fora da cozinha, sentindo as pernas tão firmes quanto algodão. O barulho acabaria acordando Sophie, e isso seria desastroso. Teria de escolher cuidadosamente as palavras quando contasse para a melhor amiga que seu noivado com o adorado irmão gêmeo estava cancelado. E explicar o porquê. Ben não queria passar pela humilhação de casar com uma mulher que, de acordo com ele, ainda estava apaixonada por outro homem.  
As mãos estavam tremendo quando abriu a porta e encontrou os olhos negros impacientes de Joe. Sua respiração ficou presa nos pulmões e uma sensação aguda invadiu-lhe o estômago. Nenhum homem tinha o direito de ser tão lindo, tão... tão arrasadoramente másculo. Outrora se deleitara com a sua perfeição masculina, agora a versão ligeiramente mais velha, e mais dura, a deixava apavorada!  
Sem dizer uma palavra, cedeu a passagem para que Joe entrasse, observando o casaco elegante que ele usava, com a arrogância descuidada de um homem nascido para tais luxos.  
Outrora, naqueles longínquos dias de amor impetuoso, acreditara que ele fosse pobre, batalhando para conseguir um sustento inadequado, enquanto ela vinha de uma família bem estabelecida. A suposta pobreza imaginária do espanhol não a incomodara nem um pouco. Agora, sua riqueza evidente lhe proporcionava calafrios. Seu outrora adorado Joe era um estranho.  
Observando-o passar os olhos desinteressadamente pelo conteúdo medíocre da sala de estar, Demi procurou por algo, qualquer coisa, do jovem espanhol carismático que tomara posse do seu coração apaixonado durante aquele longo e glorioso verão. Mas não encontrou nada. Nada nos olhos apertados que faziam um inventário de sua aparência, nem um lampejo naquele rosto magro e duro que lembrasse como ele a amara.  
“Parecia tê-la amado”, corrigiu cansada. Nada no jovem Joseph Jonas era o que parecia. Naquele instante triste, ela chegou a uma decisão final.  
— Bem?  
O monossílabo brusco fez com que seu estômago se contorcesse. Dedos esguios afastaram o punho da camisa quando ele consultou o relógio. Um gesto que, estava certa, fora feito para intimidá-la, e fazê-la soltar uma resposta de imediato. O relógio não era o que tinha lhe dado. Este fora dourado e elegante. O que ele agora usava era escuro e pesado. Então por que isto a incomodava tanto?  
Agarrando-se aos últimos vestígios de compostura, disse baixinho:  
— Está frio lá fora. Vou preparar um café.  
Ele tinha de saber que esta era sua casa e que ela não ia se deixar intimidar. Mas na verdade, admitiu em silêncio enquanto se dirigia de volta para a minúscula cozinha, queria adiar o momento em que atiraria a revista aos lobos, e faria com que seus colegas perdessem seus empregos. Isso pesaria na sua consciência, mas, como Ben havia dito, não seria o fim do mundo.  
A razão oculta para a sua demora, é claro, era mais visceral. Uma vez que ela lhe dissesse o que fazer com sua “proposta” nunca mais o veria. Isso não era para doer, não era para fazê-la sentir-se vazia e apática. Mas era o que estava acontecendo.  
  
Assim que a porta se fechou atrás de DemiJoe fez um esforço voluntário para erguer a cabeça. Ao vê-la esta manhã, pálida e largada, despojada do vestido elegante que usara na noite anterior, a pele leitosa sem maquiagem, sentiu um desejo quase selvagem de tirá-la deste local melancólico, levá-la até o sol, mimá-la, cuidar dela, ver aqueles olhos azuis escuros hipnóticos se encherem de vida, rindo e vivazes, sorrindo para ele como costumavam sorrir, fazendo com que se sentisse o homem mais sortudo do planeta.  
Até onde podia ir a loucura de um homem?  
Apesar das aparências, ela era tão vulnerável quanto um tanque blindado. Não ia permitir que uma pontada de compaixão imerecida o privasse da vingança que vinha planejando, desde que soubera que a Lifestyle estava indo para o buraco.  
Demi Lovato sabia cuidar de si, sabia como desprezar o amor que lhe era oferecido. Não tinha dúvidas que ela desperdiçara os anos na universidade, piscando aqueles cílios fabulosos para qualquer aluno que lhe despertasse interesse.  

2 comentários:

Espero que tenham gostado do capítulo :*