Capítulo 16

Tudo havia mudado. Sabia que sim. Bastou uma pequena chacoalhada no caleidoscópio para surgir um novo padrão. Parada no topo da escadaria de pedras, usando o vestido de gaze azul-gelo que Joelhe comprara. Demi reconheceu o momento crucial.  
Este acontecera quando explicara exatamente por que aceitara a chantagem dele, lá em Marbella, naquela manhã, quando o Buck's Fizz encontrando um estômago vazio fizera com que soltasse a língua.  
Para alguém de fora, a mudança no comportamento dele poderia ser sutil demais para ser notada. Mas para ela, finalmente em sintonia com tudo que dizia respeito a Joseph Jonas, parecia que tinha sido atropelada por um caminhão.  
Aristocrático não era o bastante para descrever o modo como caminhava pelas calçadas como se fosse o dono da cidade inteira, e de tudo, e até dela. A cabeça escura erguida, o rosto bonito com a expressão ligeiramente desdenhosa e cheia de segurança de um homem que sabia que seu mais leve capricho seria rápida e servilmente atendido, ele a acompanhou através da entrada de vidro de uma butique de alta-costura, O tipo de loja exclusiva que, na mesma hora, deixara Demi de queixo caído, e se sentindo totalmente deslocada com o jeans desgastado e a blusa rosa brilhante que estava usando.  
E ela simplesmente deixara as coisas acontecerem. Atendido por uma pessoa alta, magérrima de cerca de trinta anos, com um sorriso permanentemente forçado, Joe acomodou-se em uma cadeira forrada de seda em estilo barroco, enquanto roupas de estilo e qualidade inacreditáveis desfilavam à sua frente, em busca do seu sinal de aprovação imperioso.  
Duas horas depois, um jovem de cara limpa, usando um terno cinza formal e um ar de exagerada importância, carregou uma pilha de sacolas e caixas até o carro de JoeDemi pensou que era melhor deixá-lo gastar o seu dinheiro, já que era isso o que ele queria, e quase entrou em histeria.  
Depois de um almoço tardio, durante o qual muito pouco foi dito e menos ainda foi ingerido, começaram a longa viagem de volta para o mosteiro. Acometida de estranhos pressentimentos, devido à nova autoridade fria que detectava no espanhol, da sensação de que via nela apenas uma marionete, comprada, paga, e projetada para dançar quando puxasse as cordas, não conseguia se arrepender de ter-se aberto com ele. E não apenas no que dizia respeito aos seus relacionamentos com o pai, e com Ben, mas também às suas razões para concordar com as exigências de Joe, em primeiro lugar.  
Fora uma espécie de alívio, decidiu quando iniciou a viagem solitária pelo salão de jantar principal. E já estava mais do que na hora de Joe se abrir também. Desde que se encontraram novamente, estiveram dando voltas ao redor de muitos pensamentos ocultos. Pensamentos condenatórios vindos de ambas as partes, concluiu. O que quer que fossem, deveriam ser verbalizados.  
Quando regressaram, Manuel carregou a montanha de sacolas até o quarto da moça, e Joe interrompeu o seu silêncio para dizer:  
— Use algo bonito. Esta noite jantaremos no salão formal, e eu gosto que minhas propriedades sejam bonitas de se olhar.  
Sua propriedade!  
Hoje de manhã, o comentário a teria feito estremecer. Agora era capaz de escutá-lo sem perder a pose. E fizera o que ele pedira, escolhera este vestido dentre as dezenas de roupas que Rosa, a esposa bonita de Manuel, havia retirado dos embrulhos nas sacolas e pendurado no armário.  
Sapatos de salto alto revestidos com seda azul-gelo garantiram a ela um pouco mais de altura. Escovara os cabelos até que estes caíssem por sobre os ombros como uma cachoeira loura pálida, presos de um lado do rosto com um pequeno grampo. Também caprichara na maquiagem.  
Ele não podia alegar que ela era um incômodo para os olhos, embora, quando conseguisse o que queria de Joe, ele provavelmente a acharia um pé no saco. As coisas não podiam continuar como estavam. E esta noite faria de tudo para mudá-las!  
Anteriormente, as refeições foram servidas no pátio interno ou na pequena e aconchegante sala de café da manhã, que possuía uma maravilhosa vista dos terraços da frente e das montanhas. Se ele escolhera a formalidade do grande salão de jantar para intimidá-la, não obteria sucesso, jurou ao abrir as pesadas portas duplas entalhadas.  
Era, sem dúvida alguma, um recinto impressionante. O teto de abóbada entalhado era alto, iluminado por pesados candelabros de metal ornamentado, as paredes pintadas e pontilhadas de janelas estreitas e arqueadas. No centro, a imensa e lustrosa mesa posta para dois, um lugar em cada ponta.  
Reprimindo o comentário impertinente de que iriam precisar de walkie-talkies para conversar um com o outro, Demi caminhou adiante, os saltos altos batendo uma melodia confiante no chão de tábuas largas bem polidas. Joe ergueu-se da cadeira entalhada que se encontrava à cabeceira da mesa, com um copo do que parecia ser uísque em umas das mãos.  
Com roupa formal, ele quase a deixou sem fôlego. Elegante, imaculado, e tão impessoal quanto a caridade.  
Durante a sua aproximação dosada, os olhos velados de Joe fizeram um inventário demorado, desde a queda sedosa dos cabelos por sobre os ombros magros, cujas alças estreitas do vestido deixavam expostos, e do volume atrevido dos seios, até as pernas delgadas que pareciam, de maneira elegante, mais longas devido à bainha logo acima dos joelhos e aos saltos agulhas.  
Foi difícil não se arrepiar diante daquele exame inexpressivo, mas Demi conseguiu, quase desabando de alívio quando ele inclinou a cabeça, talvez em sinal de aprovação, talvez não, e virou-se para caminhar até uma mesinha de canto de carvalho, bem simples, colocada perto da lareira coberta, onde pedaços de lenha queimavam em resposta ao frio da noite no imenso salão de pedra. Depois se enrijeceu quando Joe retornou com uma caixa achatada e revestida de couro nas mãos e lhe disse:  
— Sem saber qual era a cor que escolheria usar, presumi que diamantes seriam a escolha mais prudente.  

3 comentários:

Espero que tenham gostado do capítulo :*