Capítulo 29 - Mini Maratona

O nervosismo de Demi foi piorando à medida que o carro  alugado subia até a parte mais alta da estrada cheia de curvas da montanha.  
Estava fazendo a coisa certa. É claro que estava! Tinha de acreditar nisso ou acabaria pegando o próximo retorno e voltando direto para Sevilha.  
Um mapa detalhado da área estava desdobrado no assento do passageiro, mas só precisara da ajuda dele no início do percurso, vindo do aeroporto. Era como se ela fosse um pombo-correio voando direto para os braços do homem que amava.  
Ao fazer uma curva notavelmente fechada, ela reconheceu a vista espetacular, a montanha terminando no profundo vale de um rio, o agrupamento de casas brancas bem lá embaixo, cercadas pelas florestas de arvores cítricas, vinhas e oliveiras.  
Quando a estrada se alargou ligeiramente, e começou a descer, o desconforto aumentou ainda mais, os ombros e o pescoço doíam de tensão, e, apesar do ar-condicionado do carro, Demi começou a suar.  
Mais um ou dois quilômetros e chegaria ao mosteiro. E a Joe 
Mas estava fazendo a coisa certa!  
Ao voltar para a casa dos Claytons, em Holland Park, depois de visitar Ben, na noite anterior, as palavras que dissera para ele ecoaram com uma clareza inescapável na sua cabeça.  
“Apenas siga o seu coração e faça o que ele mandar.”  
Ficara imóvel como pedra nos degraus da entrada, escutando. E seu coração lhe dissera para voltar para a Espanha, encontrar Joe e dizer-lhe o quanto o amava. A voz foi clara e insistente.  
Seu corpo resplandecia, todas as veias, todos os nervos, todos os músculos e tendões respondendo à atração inescapável que era Joe, como se ele a estivesse chamando do seu esconderijo remoto nas montanhas.  
Mas agora via a experiência quase mística da noite anterior de uma maneira mais sensata. Joe podia não mais estar no antigo mosteiro. Mas Rosa e Manuel certamente seriam capazes de informar onde poderia encontrá-lo. Eles lhe dariam os endereços da sua casa perto de Jerez e do seu local de negócios.  
E sabia que quando o encontrasse, sua admissão de amor poderia não comovê-lo. Ele poderia simplesmente dizer que não estava interessado. Esta era uma possibilidade que teria de aceitar.  
Mesmo assim, estava fazendo a coisa certa. Tudo isso tinha uma certa lógica fluente e descomplicada. Coisas deixadas pela metade, coisas importantes, não traziam paz de espírito. E ele lhe mostrara isso.  
Logo depois do acidente, quando não tinha certeza se viveria ou não, ele dissera que precisava vê-la. Queria ter certeza de que estava bem, dizer-lhe para voltar para casa se as coisas não estivessem dando certo, que seria bem-vinda, sem ressentimentos. Não quisera deixar coisas por dizer.  
E a vida era notoriamente precária. Se alguma coisa acontecesse com ela ou com (que Deus não permita) Joe, antes que pudesse esclarecer tudo, não haveria paz, não haveria conclusão.  
Lágrimas molhavam o seu rosto, quando, finalmente, desligou o motor no pátio de entrada. Fechou os olhos por um instante para aquietar o espírito, antes de enxugar as faces com um lenço, sair do carro e esticar os músculos confinados. Respirou fundo e caminhou decididamente em direção à porta principal.  
A boca ficou seca e o coração batia fortemente no peito. Será que ele a proibiria de entrar? Recusaria-se a escutá-la? Fora até ali para nada?  
“Nem pense nisso. Não aceite a derrota até que ela seja inevitável. Pense em alguma outra coisa, ou não pense em nada!”  
O sol da tarde queimou através do algodão fino de sua blusa. Mas nessa época do ano, as noites nas montanhas podiam ser um pouco mais frias. Será que trouxera uma suéter? Será que isso importava?  
— Señorita 
A porta grande abriu-se, e o rosto bonito e sorridente de Rosa apareceu no vão. Demi engoliu em seco e esforçou-se para retomar o sorriso.  
— Eu escutei o carro. Então é você... Você fica?   
Demi ajeitou um fio de cabelo que caía por sobre o rosto, e respirou fundo.  
— Eu não tenho certeza! — Era a mais pura verdade. Afinal, poderia ser expulsa em menos de dois segundos. — Mas eu gostaria de falar com o señor. Agradeceria se você pudesse avisá-lo de que estou aqui.  
— Entrar — disse Rosa, convidando-a para entrar na imensidão fria do grande salão. — Eu ir buscar Manuel. Ele ter bom inglês. Eu não ter inglês tão bom.  
Não é má idéiaDemi pensou ao sentar-se na cadeira entalhada, debaixo da janela alta que ficava ao lado da porta, desejando que os nervos à flor da pele não a estivessem deixando tão nauseada. Já aconteceram equívocos demais no passado. Ninguém precisava de mais um. Embora tivesse pensado que um simples pedido para ver Joe fosse algo simples de entender.  
Quando Manuel apareceu, Demi estava andando de um lado para o outro, subindo pelas paredes por dentro, quase chegando ao ponto de ir procurar Joe sozinha porque esta espera, esta incerteza de como ele a receberia, a estava matando.  
Girando nos calcanhares, ela virou-se para o marido de Rosa com os nervos em frangalhos. Logo veria o seu amor...  
— Rosa me disse que a señorita voltou da Inglaterra para ver o señor — ele disse. O rosto moreno estava com uma expressão consoladora. — Mas ele não está aqui. Ele foi embora hoje de manhã, antes do raiar do dia.  
— Entendo.  
A tensão esvaiu-se de Demi, e foi rapidamente substituída por uma frustração melancólica. Mas isso não era razão para se desesperar. Ela estava mentalmente preparada para esta eventualidade, não estava?  
Desencontrara-se dele por questão de horas.  
— Então será que você poderia me dar alguns endereços de onde poderia encontrá-lo?  
Ele pareceu estar considerando o pedido dela por um longo instante, depois sorriu.  
— Talvez eu possa fazer mais do que isso! Rosa está preparando café para a señorita. Ela vai trazê-lo para o pequeno salão e eu vou dar alguns telefonemas. É melhor saber ao certo se ele está em casa. Ele pode ter ido para qualquer lugar no mundo. Seus negócios o levam a vários lugares.  
Que pensamento nauseante.  
Num impulso, Demi tocou no braço de Manuel quando ele começou a ir embora, seus olhos inconscientemente suplicantes, a mão que apertava o braço tremendo ligeiramente.  
— Adoraria um pouco de café. Foi uma viagem longa. Mas será que posso tomar na cozinha com Rosa?  
Não queria ficar sozinha, agoniada com a possibilidade bem concreta de que Joe pudesse estar, neste exato momento, a caminho do outro lado do mundo.  
— É claro — ele respondeu, os olhos escuros bondosos. — Venha comigo. A señorita bebe café e eu uso o telefone.  
A cozinha principal era imensa, com um teto abobadado de pedra e vigas de madeiras, e também possuía uma enorme lareira. Mesmo assim, o ambiente era surpreendentemente caseiro, com frios, feixes de cebolas e ervas secas dependurados nas vigas, o aroma de café no ar parecendo uma bênção.  
Manuel disse alguma coisa para a esposa num espanhol muito rápido quando ela se virou com uma cafeteira na mão.  
— Ciertamente! — Rosa respondeu, sorrindo ao que quer que o marido tivesse dito, colocando o café numa mesa de madeira imensa perto de um vaso de rosas amarelas, colhidas, de uma das muitas jardineiras que perfumavam o pátio interno. — Todos nós beber! Você por favor sentar, señorita 
Sentando na cadeira indicada. Demi fechou os olhos cansados por um instante, o ambiente calmo e reconfortante ajudando-a a relaxar um pouco. Rosa pegou três canecas grandes e um prato de confeitos de amêndoas, e Manuel consultou uma lista pregada junto ao telefone afixado na parede, e começou, enfim, a discar.  
Bebendo o café bem-vindo e recusando os petiscos, meio nauseada. Demi desejou poder entender o que Manuel dizia nas conversas que ocorreram em pelo menos três ligações distintas. Joe, obviamente, estava se mostrando mais difícil de encontrar do que ele esperava.  
Essa suspeita foi confirmada quando ele caminhou até a mesa para pegar a sua caneca de café com um dar de ombros derrotado.  
— Eu liguei para o escritório do señor, primeiro. Ele não esteve lá. A irmã já não o vê desde que foi embora daqui com o marido, e a governanta forneceu a única pista que temos. — Ele fez um gesto com a mão livre para indicar que a pista, infelizmente, não era das melhores. — O señor ligou para casa no meio da manhã para cancelar o jantar que combinara de dar para os pais na semana que vem. Só isso. Não disse para onde ia, só que não tinha idéia de quando voltaria.  
  
Era mais uma manhã perfeita, mas Demi não estava em condições de apreciá-la. Algo dentro se si morrera. Joe poderia estar em qualquer lugar do mundo. É verdade que Manuel lhe prometera pedir para que Joe entrasse em contato com ela, assim que o visse. Mas não tinha muita esperança de que ele fosse se dar a esse trabalho. Ele estava seguindo com a sua vida ocupada e bem-sucedida. Não precisava dela.  
No fim da tarde, com as sombras das montanhas ficando mais compridas, quando agradecera a Rosa e Manuel pela ajuda e fizera menção de ir embora, pois mal podia conter a tristeza.  
Mas Manuel discordou com firmeza da sua intenção de dirigir até Sevilha, enfatizando que ela já enfrentara uma longa jornada vindo da Inglaterra, que logo escureceria, e que Rosa poderia arrumar a cama no mesmo quarto que ela ocupara antes. Ele insistiu que não seria problema algum.  
De modo que ela passou a noite lá, cedendo porque não tinha mais forças para fazer valer a sua vontade — a necessidade de afastar-se daquele lugar lindo, onde fora, por pouco tempo, feliz e esperançosa. Passar a noite ali fora a coisa sensata a se fazer, mas queria não ter dormido até tão tarde, depois das primeiras horas insones.  
Rapidamente, arrumou a cama e recolocou na mala as poucas coisas que precisara durante a noite, e levou a bagagem até o carro alugado.  
Já agradecera e se despedira de Rosa e Manuel, e enquanto tomava o café da manhã tardio que a bonita governanta insistira em preparar para ela, Manuel se ofereceu para tentar localizar Joe novamente 
Ele poderia ligar para os pais do señor. Por que não pensara nisso antes? Havia uma pequena esperança. O señor não costumava dar-lhes satisfações de seus atos, mas poderiam saber onde ele estava. Embora ele duvidasse disso. A governanta do señor não teve de passar o recado para eles? O que significava que ele próprio não deve ter falado com eles, não? Mesmo assim, por causa da señorita, ele tentaria.  
Mas o telefone estava mudo. Algum problema com a linha. Era algo comum de acontecer, de acordo com o espanhol. De modo que até mesmo o último vestígio de esperança de contatá-lo mostrou-se inútil. Não havia mais nada que a prendesse ali.  
Ligando o motor, despediu-se silenciosamente. Não haveria nenhum sentimento de conclusão e teria de se acostumar a viver com isso. Seguir adiante com a própria vida, como ele estava fazendo.

Um comentário:

Espero que tenham gostado do capítulo :*