Encontraram Isabella no terraço esparramada em uma espreguiçadeira acolchoada. Quando a sombra de Joe cobriu-a, ela abriu os olhos escuros sonolentos e murmurou, melancolicamente:
— Tengo mucha hambre!
— Fale inglês, cara. Temos uma convidada.
Não havia como deixar de perceber o carinho no tom dele, contrastando com a forma abrupta como vinha falando com ela, Demi reconheceu, com amargura.
— Estamos todos com fome, já atrasamos demais o café da manhã — censurou gentilmente ao pegar as mãos delicadas da irmã e ajudá-la a se levantar. — Isabella, quero que conheça Demi Lovato — apresentou de maneira suave, o sorriso dirigido à irmã.
Sentindo-se como uma peça sobressalente, Demi retornou com debilidade o sorriso amplo de Isabella. Agora não havia vestígio daquela raiva histérica, apenas um caloroso olhar de curiosidade no rosto vivaz.
— Hola! Lo siento, eu esqueci, nada de espanhol! Você é inglesa, não?
Ela enfiou o braço por dentro do de Joe, o corpo curvilíneo usando calças de linho alaranjadas e uma blusa de seda branca. Ela estava graciosamente relaxada, quando avaliou a situação de Demi.
— Você é um homem de segredos, meu irmão, escondendo a sua convidada dos olhares curiosos! — Seus olhos ardentes brilhavam com malícia ao encontrarem os de Demi. — Diga-me, como é que você conseguiu? Joe é tão pouco ligado nas mulheres que chega a ser doloroso. É gostoso ver que ele pode ser tão humano quanto o resto de nós, e safadinho, também! Diga-me, o meu irmão mais velho é realmente safadinho?
— O pai de Demi é um sócio recente. Ela faz parte da mesma empreitada — Joe interrompeu, com um tom repreensivo. — Você disse que estava com fome — continuou, para desviar a conversa do assunto da situação de Demi. — Por que não vamos comer alguma coisa?
Como ele bem lembrava, bastava conceder a Isabella a menor dica de haver um romance no ar, e ela podia ser impiedosa. As provocações e as intermináveis perguntas, quando a convidara para visitar Marbella e conhecer sua suposta futura noiva, cinco anos atrás, testaram-lhe a paciência. Demi e ele ainda tinham de resolver alguns assuntos. E precisavam ficar sozinhos.
— Ah, apenas negócios — Isabella disse, desapontada, quando Joea conduziu de volta para a casa. — Que coisa mais entediante.
Demi os seguiu com as pernas pesadas. Joe a estava excluindo de sua vida, isso estava dolorosamente óbvio. Mas o que mais poderia esperar, depois que o acusara? Seu orgulho espanhol não permitiria que ele esquecesse tais insultos à sua integridade.
Acordara numa manhã que parecia prometer coisas maravilhosas, certa de que poderiam recuperar a felicidade apaixonada que ambos pensavam ter perdido. Agora não iriam para a praia que ele mencionara, não fariam amor, não conversariam. Nunca descobriria se ele realmente ainda gostava dela.
Os ombros de Demi caíram, e nem mesmo o sol espanhol queimando as suas costas poderia derreter o gelo que estava se formando ao redor do seu coração. Se ele começara a acreditar que ainda havia algo de especial entre eles, ela certamente estragara tudo ao abrir a boca grande e despejar acusações infundadas. Certamente era o que lhe parecia, e com Isabella por perto não poderia perguntar a Joe.
Seguindo os outros dois, Demi sentou-se à mesa no salão pequeno onde Rosa tinha servido pratos de ovos mexidos e champignons, e os enroladinhos costumeiros com vários recheios diferentes, presunto, tomates doces, queijo e anchovas.
— Estou morrendo de fome! — Isabella exclamou, de modo teatral, abrindo com um gesto brusco o guardanapo dobrado. — Tudo minha culpa, é claro. Eu não consegui comer mais nada, depois que pensei que meu querido César estava me traindo com outra! Como posso ter sido tão tola? Tremo só de pensar em como ele vai estar zangado comigo!
A idéia não parecia incomodá-la tanto assim. Demi pensou, cansada, quando apanhou um rolinho que não queria e começou a despedaçá-lo no prato. Joe também não parecia estar com muita fome. Ele apenas fatiou um tomate no prato e bebeu várias xícaras de café.
Esforçando-se um pouco, afinal era por sua culpa que Joe lavara as mãos no que lhe dizia respeito, e tinha de aceitar isso e não se afogar em auto-piedade e ficar sentada ali muda e arrasada, ela perguntou, alegremente:
— Quando é que o seu marido vai chegar, Isabella?
Suspeitava que Joe permaneceria distante, porém educado, até que estivessem sozinhos de novo, e depois providenciaria a sua partida rapidamente.
— Joe? — Isabella terminara com os ovos e estava cobrindo um rolinho com fatias de presunto. — O que você acha? Lá para o meio da tarde?
— Talvez mais cedo.
Dios! Quanto mais cedo, melhor! Se estivesse pensando direito antes, teria dito a César que ele mesmo levaria a irmã desmiolada até Sevilha. Pelo menos estaria fazendo algo construtivo, em vez de ficar sentado esperando, tentando a todo custo não olhar para Demi porque, quando o fazia, tinha vontade de tomá-la nos braços e cobri-la de beijos até que concordasse em ser a sua esposa. Teria insistido para que ela os acompanhasse, de modo a não ter oportunidade de ir embora, como quase o fizera.
Nervoso, ele afastou a cadeira da mesa e ficou de pé, com o rosto sério. Isabella limpou a boca com o guardanapo e disse:
— Você está mal-humorado? Por acaso eu estou incomodando? Se estiver, basta me dizer. — Ela inclinou a cabeça de modo coquete, e o sorriso no rosto dizia que nem cogitava a possibilidade de ser um incômodo para alguém. — Se você e Demi estão querendo ter a sua reunião de negócios, ou o que quer que seja, vá em frente. Se é para ser um segredo, eu não vou bisbilhotar nada.
— O que tenho a discutir com Demi pode esperar — ele respondeu, bruscamente. Era mais do que tentadora a possibilidade de aceitar a sugestão da irmã, pegar Demi e levá-la para a biblioteca para uma reunião de mentirinha. Mas sabia que não podia confiar que a irmã, que se entediava com facilidade, não fosse interrompê-los. Provavelmente em algum momento crítico. De modo que conteve a impaciência, trincou os dentes e aguardou.
Joe disse:
— Vou pedir para Rosa levar um café fresco para o pátio. Eu já encontro com vocês lá fora.
Observando o caminhar elegante do rapaz, a cabeça orgulhosamente erguida. Demi sentiu os olhos umedecerem. Sabia o que aconteceria naquela discussão que ele mencionara antes.
Será que ele aceitaria as suas desculpas sinceras? Provavelmente. Com uma cortesia formal e fria. Mas todas as desculpas do mundo não mudariam nada. O estrago já estava feito. A presente atitude dele com relação a ela, o modo deliberado como evitava olhá-la era a prova disso.
— Uff! — Isabella esfregou levemente a barriga. — Eu como demais. Assim eu vou acabar explodindo! Vamos? — Ela passou o braço por dentro do de Demi, depois que ambas se levantaram da mesa. Quando caminharam juntas para o pátio interno, Demi pensou que, em outras circunstâncias, teria gostado da companhia alegre desta mulher. Poderiam ter se tornado boas amigas.
Parando ao lado do chafariz central, que gentilmente despejava água na bacia de pedra, Isabella mergulhou os dedos na água fria.
— Eu vivo falando para o Joe que ele devia colocar uma piscina neste lugar. Pelo menos aí teríamos algo para se fazer por aqui. — Ela deu de ombros. — Mas ele sempre diz que algo tão moderno não se encaixaria com a... como é que se diz, ambiente.
— Atmosfera? — Demi sugeriu baixinho. — Acho que ele tem toda razão. Existe algo atemporal neste lugar antigo. Seria uma pena estragá-lo.
— Então estou em minoria! Joe deve ter razão ao me chamar de bárbara! — O sorriso branco largo não mostrava nenhum arrependimento. — Mas, é claro, ele tem uma piscina na sua casa moderna, perto de Jerez. Eu estou surpresa que ele não a tenha convidado para ter a reunião de negócios lá. Ou que não lhe tenha reservado um lugar em um dos nossos hotéis, como costuma fazer para os seus parceiros de negócios.
Lampejos sardônicos dançavam nos olhos escuros, mas Demi deu de ombros, como se não fizesse idéia do que Isabella queria dizer. Mas é claro que sabia. Ela obviamente duvidava da veracidade da explicação de Joe de que a presença de Demi no seu isolado retiro favorito tinha algo a ver com os negócios do pai dela.
As águas dançavam brilhantes. O sol batia sobre a sua cabeça. As pedras do chão pareciam balançar sob os pés. O perfume das flores que cobriam as velhas paredes de pedra e despencavam das dezenas de jardineiras de repente ficou mais forte. Demi ergueu a mão trêmula até a têmpora, estava se sentindo tonta. Deveria ter se forçado a comer alguma coisa...
— Ah, você está noiva?
Será que Isabella parecia desapontada? Isso certamente não era possível, era? Devia estar imaginando coisas. Demi franziu a testa dolorida quando a outra moça pegou a sua mão e examinou o anel de Ben. Esquecera-se de que o estava usando. Não se comparava à esmeralda gigantesca que Isabella trazia junto à aliança de ouro larga.
— E quando será o grande dia? Vai se casar em breve? Com um inglês? Ou com alguém mais, alguém que eu possa conhecer? — a espanhola questionou incisivamente.
— Perdão? — os olhos de Demi se embaçaram quando ela tentou organizar a enxurrada de perguntas em um cérebro que fora repentinamente tomado por uma dor de cabeça de proporções inéditas.
— Você vai se casar com o seu inglês em breve? — Isabella insistiu quando Rosa apareceu do outro lado do pátio para colocar a bandeja de café fresco na mesa debaixo da figueira.
— Sim — Demi afirmou com toda veemência que podia, considerando o modo como estava se sentindo, toda fraca e trêmula, e com a cabeça estourando.
Era uma mentira boba, é claro, mas ela deveria impedir a enxurrada de perguntas enxeridas. Negar exigiria explicações a respeito do noivado interrompido, seus motivos para usar o anel do ex-noivo, explicações as quais não se sentia disposta dar, no momento. Sentiu, com uma tristeza cansada, que nunca mais iria querer conversar com ninguém a respeito de nada.
— Andem até a sombra.
A ordem de Joe foi carregada de tensão. O som da voz atrás de si quase fez com que Demi morresse de susto.
Será que ele escutara a mentira idiota? Provavelmente. Seu coração despencou com a velocidade de um elevador descontrolado. Mas ela poderia explicar mais tarde, é claro que sim. Virou a cabeça à procura dos seus olhos, mas ele já estava se dirigindo para a mesa com Isabella.
Se ele escutou, e deve tê-lo feito — afinal, falara com firmeza e ele não era surdo —, isso não o incomodara nem um pouco. Estava sorridente e relaxado quando puxou a cadeira para a irmã se sentar. No que lhe dizia respeito, Demi poderia se casar com o Diabo em pessoa, que ele não estava nem aí. Ela nunca se sentira tão arrasada.
A Demi tira uma mil conclusões e não acerta em nenhuma MDS.
ResponderExcluir