Tivera sorte com o vôo, mas, mesmo assim, já era tarde quando o táxi a deixou na porta do hospital. Rezando para que Ben tivesse sobrevivido à operação, Demi arrastou a mala, e a si própria, até o prédio principal, com pernas que pareciam moles demais para sustentá-la.
Mesmo que estivesse bem o suficiente para receber visitas, era tarde demais para vê-lo, mas poderia pelo menos descobrir como ele estava. Certamente alguém lhe diria, mesmo que ela não fosse da família imediata.
Se Joe estivesse consigo, já teria toda a informação nas mãos. Ele era esse tipo de homem. Tinha uma autoridade natural. Sentiu uma pontada no coração. Tinha de parar de pensar nele, de se martirizar com o que acontecera. Se não fizesse isso, desmoronaria.
Aproximando-se das portas automáticas, viu que elas se abriam para os Claytons — Honor, Arthur e Sophie —, que estavam saindo juntos. O coração de Demi bateu mais forte.
Depois do telefonema de Sophie, sabia que a culpavam pelo que acontecera. Tinha de enfrentá-los com toda a coragem que possuía. Instintivamente, endireitou os ombros quando eles caminharam em sua direção, o coração apertado de compaixão quando viu os olhos injetados de Honor e a boca apertada de Sophie.
— Como está ele?
A ansiedade dominava a sua voz. Temia escutar o pior.
— A operação foi um sucesso, graças a Deus! Ele provavelmente vai mancar pelo resto da vida, mas não vai perder a perna — respondeu o pai de Ben. A voz estava carregada devido ao cansaço, e os ombros largos estavam caídos.
— Então ele vai ficar bem?
— Ele está dormindo. Só pudemos vê-lo por alguns instantes — a mãe de Ben acrescentou. Honor Clayton parecia ter envelhecido uma década desde a última vez que Demi a vira, na festa de noivado. — Amanhã, se tudo correr bem, poderemos vê-lo por mais alguns minutos. Foi, foi... — ela procurou escolher as palavras — bom você ter vindo tão rápido.
Demi estremeceu quando um vento frio colou a sua saia contra o corpo, na hora que inclinou a cabeça para aceitar o agradecimento de Honor. De repente, percebeu como estava vestida.
Tivera a intenção de trocar a roupa que estava usando por um jeans e uma camisa, mas nenhum pensamento coerente se formara em sua cabeça desde que Joe a abandonara, não lhe oferecendo a chance de dizer que lamentava muito por tudo. Com a saia leve e a blusa decotada, não estava vestida para uma noite de primavera em Londres.
— Bom, não podemos ficar aqui fora no frio — Honor disse. — Nós convencemos Sophie a ficar conosco até que Ben supere o pior. Por que você não faz o mesmo? Pode ficar no seu antigo quarto.
Demi sacudiu instintivamente a cabeça. Como poderia aceitar a hospitalidade deles, quando a culpavam indiretamente pelo acidente de Ben? Eles já estavam passando o bastante, sem ter de suportar a presença indesejada dela.
— Por favor, venha — Sophie falou pela primeira vez. — Nós realmente queremos que você venha.
Os olhos azuis-escuros encontraram os castanhos chorosos.
— De verdade?
Sophie acenou vigorosamente com a cabeça, emocionada demais para falar, e Arthur decidiu o impasse ao pegar a mala de Demi e colocar a mão no seu ombro.
— Vamos pegar o carro. Não há porque ficarmos por aqui. Não há nada que possamos fazer. O que precisamos é de uma boa bebida.
Este quarto fora seu durante todos aqueles feriados escolares depois que sua mãe falecera, e durante aquele primeiro ano em que trabalhara na Lifestyle. Nada mudara. O mesmo papel de parede bonito, as cortinas e colchas combinando, os mesmos tapetes espalhados por cima do carpete-azul.
Esperava que estivesse tudo diferente, que Honor tivesse mudado a decoração adolescente, depois que ela e Sophie, para a irritação de Ben, resolveram estabelecer a sua independência e se mudar para o apartamento alugado.
De certa maneira, não parecia justo que algo pudesse permanecer tão absolutamente intocado, enquanto a sua vida mudara de modo tão drástico.
Abriu a mala, procurando a nécessaire. Sentia-se tão cansada, tão esgotada emocionalmente, que mal registrava o que estava fazendo.
Tinha sido uma noite agitada e emotiva. Enquanto Arthur respondia a uma enxurrada de ligações de pessoas ansiosas para saber como estava Ben, Honor fora até a cozinha para esquentar sopa e preparar algumas torradas enquanto Sophie servia o uísque generosamente para todos.
A conversa, inevitavelmente, concentrou-se no acidente de Ben.
— Parece que ele ultrapassou um caminhão numa curva fechada e capotou ao bater numa caminhonete. — Honor estremeceu violentamente, a mão tremendo a olhos vistos quando ergueu o copo até os lábios. — De acordo com a polícia, se ele não tivesse conseguido desviar no último instante, poderia ter sido muito pior. O motorista da caminhonete mal se machucou. Mas Ben não estava usando o cinto de segurança. Eu simplesmente não consigo entender. Ele sempre foi um motorista tão cuidadoso.
Os olhos de Demi encontraram-se com os de Sophie. Sabia o que pensava a velha amiga. Mas a outra garota apertou os lábios e sacudiu a cabeça, com lágrimas nos olhos.
Depois da refeição frugal na mesa da cozinha, Sophie afastou a cadeira da mesa e olhou para o relógio.
— James já deve ter voltado. Ele esteve às voltas com suas atividades como chefe da clínica. Ele me disse que poderia pedir uma licença, mas eu falei que não precisava. Não havia nada que pudesse fazer para ajudar Ben. Mas prometi mantê-lo informado de qualquer novidade que surgisse.
Reprimindo um bocejo, Sophie saiu da cozinha, e, depois de ajudar Honor a encher a lavadora de pratos. Demi se desculpou e foi para o seu antigo quarto.
Desejou que não o tivesse feito. Lá embaixo, com os outros, mesmo que a conversa tenha girado em torno do Ben e dos vários amigos e parentes preocupados que haviam ligado, ocupara-se com os pensamentos de como essas pessoas estavam lidando com sua ansiedade.
Agora, sozinha, seus pensamentos retornaram para a própria infelicidade. Sabia que isso era egoísta, mas não podia evitar. O que estaria Joe pensando dela? Será que acreditou na mentira idiota que escutara? Será que interpretou errado a angústia que ela sentiu, ao ouvir do acidente de Ben?
Era natural que ficasse angustiada. Ben era um amigo de longa data muito querido. Mas Joe não soubera de toda a história, nem de como Sophie a fizera se sentir culpada, apelando para o seu senso de responsabilidade, aumentando a sua urgência em voltar para a Inglaterra imediatamente, porque o acidentado Ben estivera chamando por ela. Ele não soubera disso, nem fora capaz de entender, porque não lhe dera a oportunidade de explicar nada.
Ou será que nada disso ocupava a cabeça dele? Será que já decidira que não queria mais nada com ela, depois de suas acusações? Lembrando da distância que ele colocara entre eles, depois que ela confessara a sua reação exagerada e impensada, esta parecia a situação mais provável.
De qualquer forma, esta introspecção angustiada não iria resolver nada, iria?
— Posso entrar? — Sophie, depois de uma hesitação momentânea, invadiu o quarto e dois segundos depois Demi estava recebendo um abraço de urso. — Eu sinto muito, Demi! O que eu disse ao telefone foi deplorável! Você pode me perdoar?
— Nem pense nisso — Demi disse, com o pouco ar que lhe restava nos pulmões. — Já perdoei. Você estava triste...
— Não, eu fui abominável! — Sophie rejeitou com veemência, soltando-se do abraço, dando um passo para trás, com os olhos encharcados. — Estava triste, arrasada, para falar a verdade, mas isso não me dava o direito de culpar a minha melhor amiga!
Melhor amiga!
Pela primeira vez desde que acordara esta manhã, o coração se aqueceu. Demi deu um leve empurrão em Sophie que a fez sentar-se no pé da cama, e jogou-se nos travesseiros, com as pernas encolhidas. Exatamente como nos velhos tempos, fofocando noite afora, pensou com o coração apertado de gratidão.
— Quando pensei que meu irmão gêmeo fosse morrer, e papai me pediu para pegar o número do seu telefone com o seu pai, ligar para você e avisá-la de que Ben a estava chamando, eu simplesmente descontei em você. Estava prestes a perder o meu irmão, ou pelo menos assim pensei, e você estava desfilando sob o sol com o seu bonitão espanhol. Foi injusto e errado, e nunca poderei me desculpar o suficiente.
Sophie fungou sonoramente e continuou:
— Fiquei chateada com você quando rompeu o noivado. Eu queria que você pertencesse à nossa família. Mas o Ben explicou, depois que você decidiu ir para a Espanha, que estavam se contentando com um casamento extremamente entediante. Minhas palavras, não as dele. Sem paixão. — Ela estava torcendo a bainha da suéter entre os dedos, de olhos abaixados. — Aí você reencontrou o único amor de sua vida e bingo! — Ela ergueu os olhos injetados. — Eu estou totalmente apaixonada por James, então entendo o que aconteceu.
— Não diga! — Demi disse suavemente, engolindo em seco. Pelo menos tinha conseguido a melhor amiga de volta, e isso já era um bocado para se agradecer.
Sophie perguntou:
— Como está indo com o seu bonitão espanhol? Pensamos que ele poderia vir com você. Preparamos o quarto de hóspedes, por via das dúvidas. Mamãe estava decidida a fazer você ficar aqui conosco, e não sozinha no nosso apartamento pequeno. — Ela soltou um breve suspiro. — Presumo que vá voltar para a Espanha assim que Ben estiver fora de perigo.
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Espero que tenham gostado do capítulo :*