Demi mudou de assunto de maneira decidida.
— Deixa isso para lá. Vamos falar de você e de James. Como está indo a procura por uma casa nova? Ainda está tudo de pé para o casamento no meio do verão?
Não havia jeito de conseguir discutir o que acontecera entre ela e Joe. Talvez conseguisse se abrir com a amiga mais tarde, quando a dor fosse um pouco menos intensa, mas não agora.
Foram necessários dois dias para que Ben pudesse receber visitas por mais de alguns minutos. Na manhã do terceiro dia ele saiu do CTI, e foi colocado num quarto particular, onde os pais e a irmã o visitaram por meia hora e observaram uma melhora significativa. Confinado na cama e imobilizado da cintura para baixo, ele estava ficando entediado e mal-humorado, o que, segundo Honor, significava que estava a caminho da recuperação.
O ambiente estava dramaticamente mais descontraído, e quando Demi foi vê-lo no turno do início da noite, Sophie e Honor estavam preparando uma refeição comemorativa, que consistia de rosbife e da torta de maçã favorita de Arthur. Gerald Lovato telefonara diariamente para os Claytons a fim de saber do progresso de Ben. Ele falara com Demi apenas uma vez, só para dizer que soubera que ela tinha retornado e que esperava que Raffacani não tivesse ficado muito desapontado com a sua partida. Não sugeriu que se encontrassem. Demi não estava esperando que ele o fizesse, e, pela primeira vez em sua vida, seu coração não tinha mais lugar para a decepção.
Demi aproximou-se da cama do amigo com hesitação. Não conseguia imaginar por que estava em tanta evidência nos pensamentos de Ben quando ele achou que estava morrendo. Mas manteve o sorriso no rosto, e ele se alargou quando ela constatou com um prazer genuíno: — Você está com uma aparência bem melhor do que eu esperava.
Ela curvou-se para beijar-lhe a face, e colocou as flores que trouxera na mesa ao lado da cama.
— Você não precisava ter se incomodado — ele disse, indicando os diversos arranjos que estavam espalhados pelo quarto. — A sua presença já é o suficiente.
— Que bom.
Demi pegou uma cadeira e a trouxe para perto da cama. “Nas últimas”, ele pedira a sua presença e agora iria lhe dizer o porquê. Temia escutar que ele sempre estivera perdidamente apaixonado por ela, mas fizera a coisa certa e se afastara, quando concluiu que ela estava apaixonada por outro homem. A verdade é que nunca quisera magoá-lo.
Contudo, ele nunca oferecera o menor indício de que esse fosse o caso. Nunca teria concordado em se casar com ele se vislumbrasse, mesmo que por um instante, que estava loucamente apaixonado por ela. Mas algumas pessoas eram especialistas em esconder os seus sentimentos.
— Bom, aqui estou — disse baixinho, acomodando-se na cadeira. — E então? Por que você pediu para me ver quando pensou que poderia morrer?
Ele olhou para a moça, envergonhado, e rapidamente negou qualquer coisa do gênero.
— Quem falou que eu estava morrendo? Os outros podiam estar chorando e se desesperando, mas eu sabia que ficaria bem. — Ele disse, sem muita convicção. — Tenho muito porque viver, não tenho? — A voz dele ficou mais forte por causa do alívio, quando lhe informou: — Eu acabei só com uma perna arrebentada, cheia de pinos de metal. Meus outros ferimentos, aparentemente, foram mixaria. De modo que tive mais sorte do que qualquer outra coisa. Diante de tais circunstâncias, pode não ter sido na melhor hora, mas eu estava prestes a pedir para o seu pai o seu telefone de contato. Eu estava adiando o momento, e isso não me saía da cabeça.
A mão dele tocou na de Demi e deu-lhe uma palmadinha amigável.
— Estava preocupado com você e queria saber como foi tudo e se Raffacani estava tratando você bem. Eu sabia como você se sentia em relação a ele, mas não estava muito certo a respeito dele. Quero dizer, um sujeito que vira para você e diz “Venha morar comigo, senão...” Quanto mais pensava nisso pior me sentia.
Ele abriu um sorriso cansado.
— Acostumei-me a cuidar de você. É um hábito difícil de mudar. Queria que soubesse que não precisava ter receios de voltar, se as coisas não estivessem dando certo. Eu convenceria os patriarcas a lhe darem novamente um emprego na equipe editorial, de modo que você não precisaria ter medo de ficar desempregada. E, conhecendo você, sabia que estaria pensando que não era bem-vinda. Admito que meus pais ficaram arrasados quando souberam que rompemos o noivado. Eu expliquei o porquê, e eles entenderam, embora tenha deixado de fora a parte da ameaça de Raffacani de cortar toda a nossa publicidade. Eu queria avisá-la de que, se preciso fosse, todos a receberíamos de braços abertos.
— Você é um bom amigo, Ben. O melhor — Demi disse, com a voz embargada pela emoção, os olhos enchendo-se de lágrimas. Ela piscou repetidamente, e notou a crescente palidez de Ben com uma pontada de culpa, por permitir que ele falasse tanto. — É melhor eu ir andando. Você está com uma aparência cansada. Fiz com que falasse por tempo demais. Eu o visitarei amanhã, se a família concordar.
Demi levantou-se. Além de cansá-lo, sabia que a progressão natural daquela conversa depois do que ele dissera, e que Deus o abençoe por isso, seria a série de perguntas sobre a sua relação com Joe.
Sua relação inexistente.
Ainda não se sentia pronta para discutir isso com ninguém, nem mesmo com seus amigos mais queridos, sem fazer um papel de idiota completo.
Mas Ben virou a cabeça no travesseiro.
— Fique. Eu sinto um tédio tremendo! Eles não virão expulsá-la por, pelo menos, mais dez minutos.
Ele parecia tão melindrado que Demi não teve forças para ir embora. Mas tinha de desviar o tópico da conversa de sua relação falida com Joe.
Voltando a sentar-se na cadeira, disse rapidamente:
— Então você tem dez minutos para explicar por que começou a dirigir como um piloto de provas. Sophie e eu sempre reclamamos que você dirigia que nem uma velhinha a caminho do supermercado!
Ninguém consegue entender por que fez o que fez.
Ben fez uma careta, obviamente encabulado.
— Não vai acontecer novamente, pode acreditar! Na hora do acidente, eu estava com a cabeça em outro planeta.
— Em outro planeta? Isso não é típico de você, Ben. Você sempre teve os pés bem firmes no chão.
— Eu sei disso! — O rosto dele ficou muito vermelho, assustando Demi, até que ele disse: — Eu nunca pensei que fosse me apaixonar, mas bastou olhar para ela uma única vez. Ela mexeu comigo até a alma!
— Ben! — A felicidade que sentia por ele trouxe o primeiro sorriso sincero em dias aos lábios de Demi. — Que bom! Quem é ela?
— Sarah Davies. — O nome foi falado com uma reverência velada. — Você não deve conhecê-la, é claro. Ela faz parte do sangue novo que Raffacani trouxe para a revista. É editora da seção de jardinagem. Nós estamos expandindo ao invés de nos limitar a editar sessões de modas que pouca gente pode comprar ou usar e a transmitir eventos da alta sociedade que não têm nenhum interesse para a maioria dos nossos leitores.
— E ela sente o mesmo que você?
Demi pensou muito antes de perguntar. A última coisa que queria era vê-lo magoado. Um homem que, até agora, repudiara a idéia de um amor romântico e passional, podia se machucar muito mais do que um homem que vivia se apaixonando desde a adolescência.
Ben deu de ombros, estremecendo quando um dos ferimentos de menor importância no peito protestou.
— Como é que eu vou saber? Porém, quando finalmente arrumei coragem para convidá-la para jantar, ela parecia ter gostado da idéia. Era para ter acontecido na noite do acidente, dá para acreditar? A minha cabeça não estava prestando atenção no que eu fazia. Sentia-me todo tenso, imaginando como deveria agir... Como você sabe, não tenho muita prática nesse tipo de coisa. E lá estava eu, capotado depois da colisão com a caminhonete! Eu pensei que tinha estragado tudo, até que isso chegou. — Ele apontou para um cartão de pronto restabelecimento localizado em cima da mesinha-de-cabeceira. — Leia o que ela escreveu e me diga o que acha.
— Que ela ainda vai cobrar aquele jantar e que está esperando para visitá-lo assim que for permitido — Demi resumiu depois que leu a mensagem jovial. Levantou-se e colocou o cartão nas mãos de Ben. — Não acho que você tenha estragado tudo. Para falar a verdade, estou certa de que você não fez nada disso.
Inclinando-se, beijou a testa do rapaz cuidadosamente.
— E quanto a como você deve agir, não pense nisso. Apenas siga o seu coração e faça o que ele mandar.
Joe andava de um lado para o outro no terraço. Atrás de si, as paredes iluminadas pelo luar do antigo mosteiro não ofereciam refúgio contra os seus pensamentos atormentados.
Não houvera conclusão. O breve tempo que passaram juntos deveria ter servido para curar antigas feridas, mas apenas serviu para abrir novas. Feridas tão dolorosas e frescas que ele não conseguia nem dormir de noite, muito menos descansar de dia.
Tentara se convencer de que havia deixado tudo para trás, que a esquecera, e de que poderia continuar com sua vida. Não deu certo. Não queria voltar para a sua casa em Jerez, voltar a trabalhar ou ficar ali.
Queria estar com ela. Com Demi. Precisava dela. Quaisquer que fossem os defeitos dela, precisava tê-la em sua vida, convencê-la de que poderia fazê-la mais feliz do que Clayton.
E para conseguir isso, tinha de fazer alguma coisa! Tinha de ir até ela e fazê-la enxergar que foram feitos um para o outro. Era o destino deles, desde o momento em que a ajudara a se levantar naquela trilha da montanha, cinco anos atrás, e olhara pela primeira vez nos seus lindos olhos. Estivera perdido desde então e já estava na hora de se encontrar novamente. Com ela. Só com ela.
Girando nos calcanhares, entrou na sua casa favorita mais uma vez, galgou os degraus dois de cada vez e começou a preparar uma mala com as poucas coisas de que precisaria. Pela manhã, estaria no primeiro vôo disponível para Londres.
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